segunda-feira, 23 de novembro de 2009

REALISMO

TEXTOS SOBRE TRABALHO

1. O trabalho na sociedade primitiva
Quando se fala em sociedades tribais é necessário esclarecer que elas não são todas iguais, ao contrário, se diferenciam tanto n tempo quanto no espaço. Assim, falar dos bosquímanos australianos antes do contato como os europeus é bem diferente de falar deles atualmente, pois as condições em que vivem hoje não têm nenhuma semelhança com aquelas anteriormente ao contato.
As sociedades tribais distribuídas pelos mais diferentes pontos da Terra e com as mais diferentes estruturas sociais, políticas e econômicas possuíam, e algumas ainda possuem, uma organização do trabalho baseada na divisão por sexo, em que mulheres e homens desempenham tarefas e atividades diferentes. Também os seus equipamentos e instrumentos de trabalho são, aos olhos dos estrangeiros, muitos simples e rudimentares – ainda que se mostrem eficazes para o que deles se exige. Guiados por tal concepção muitos analistas, durante muito tempo, classificaram essas sociedades como de economia de subsistência e de técnica rudimentar, passando a idéia de que esses povos viveriam quase em estado de pobreza, com o mínimo necessário à sua sobrevivência. Pode-se verificar a seguir que isso não passa de um preconceito muito difundido.
Marshall Sahlins, antropólogo norte-americano, chama essas sociedades de “sociedades do lazer”, ou as primeiras “sociedades da abundância”, pois, ao analisá-las, percebeu não só que ela tinham todas as suas necessidades materiais e sociais plenamente satisfeitas como, e além disso, tinham um mínimo de horas de atividades diárias vinculadas a produção (cerca de três ou quatro horas e nem sempre todos os dias). Os yanomamis dedicavam pouco mais de três horas às atividades produtivas diárias; os guayakis, cerca de cinco horas, mas não todos os dias.
O fato de se dedicar menos tempo às tarefas vinculadas à produção não significa, por outro lado, que se tenha uma vida de privações. Ao contrario, essas sociedades viviam muito bem alimentadas e isso fica comprovado nos relatos os mais diversos, que sempre demonstram a vitalidade de todos os seus membros. É claro que tais relatos referem-se à experiência que viviam antes do contato com o chamado “mundo civilizado”.
A explicação pra o fato de trabalharem muito menos que nós está no modo como se relacionam com a natureza, muito diferente do que temos. A terra é, além do lugar onde se vive, um valor cultural, pois é ela que dá aos homens os seus frutos, a floresta presenteia os caçadores com os animais de que necessitam para a sobrevivência. Não são os homens que produzem e caçam, pois eles simplesmente recebem o que necessitam da “mãe natureza”. Por outro lado, há um profundo conhecimento do meio em que vivem, o que faz com que conheçam as plantas, os animais, a forma como crescem e se reproduzem, o que é bom e o que é ruim para se alimentarem e quando podem utilizar certas plantas e determinados animais para sua alimentação, para cura ou para ritos.
O “mundo do trabalho” entre as sociedades tribais é, pois, algo que tem relação com todos os outros elementos de suas sociedades e com todo o meio ambiente em que vivem. Desse modo, nelas não vamos encontrar riquezas. A sua riqueza está na vida e na forma como passam os dias. As atividades vinculadas à produção limitam-se a conseguir os meios necessários à sobrevivência, mesmo assim são quase sempre desenvolvidas em conjunto com outras atividades. Enfim, há um continuo de atividades interligadas, que dificilmente podem ser explicadas e entendidas separadamente.
Quando os machados de pedra foram substituídos por ferramentas de ferro, entre os sianes da Nova Guiné, o que permitia diminuir o tempo de trabalho necessário para conseguir os alimentos indispensáveis à subsistência, eles não se preocuparam em produzir mais, mas simplesmente passaram a utilizar aquele tempo de que dispunham para se divertir e descansar, ou para outras atividades que lhes proporcionavam mais prazer.

2. O trabalho na sociedade Greco-romana
Os gregos faziam uma distinção clara entre o trabalho braçal de quem labuta na terra, o trabalho manual do artesão e aquela atividade do cidadão que discute e procura, através do debate resolver os problemas da sociedade. Conforme Hanna Arendt, pensadora alemã, os gregos possuíam três concepções para a idéia de trabalho: labor, poiesis, e práxis.
Por labor se entendia o esforço físico voltado para a sobrevivência do corpo, sendo, portanto, uma atividade passiva e submissa ao ritmo da natureza; o exemplo mais claro dessa atividade é o trabalho de quem cultiva a terra, pois ele depende sempre das variações do clima, das estações, ou seja, de forças que o homem não pode controlar. A mesma expressão é utilizada pra o momento em a mulher está em trabalho de parto.
Em poiesis a ênfase recai sobre o fazer. O ato de fabricar, de criar alguma coisa ou produto através do uso de algum instrumento ou mesmo das próprias mãos. O produto desse trabalho muitas vezes subsiste à vida de quem o fabrica, em um tempo de permanência maior que o de seu produtor. O trabalho do artesão, do escultor se enquadraria nessa concepção.
Práxis, por sua vez, é aquela atividade que tem a palavra como sue principal instrumento, isto é, que utiliza o discurso como um meio para encontrar soluções voltadas para o bem-estar dos cidadãos. É o espaço da política, da vida totalmente livre, uma vez que só se utilizamos objetos e as coisas produzidas pelos outros. A maior virtude consiste em utilizar bem as coisas, sem ter que transformá-las através do trabalho (no caso, através do labor ou da poiesis).
Nessas sociedades, o escravo é propriedade de seu senhor e, portanto pode ser vendido, doado, alugado; não só ele, mas todos os seus filhos e todos os bens que porventura possam ter. para os romanos ele era uma coisa (res), mas também uma pessoa, o que podia trazer alguns problemas. Assim, se um escravo cometesse algum crime, quem era responsabilizado era seu amo, por outro lado, se um escravo sofresse alguma ação que o prejudicasse para o trabalho, o seu senhor poderia se indenizado.
É importante deixar claro que havia uma classe de ricos e notáveis senhores que viviam de rendas e eram desobrigados de qualquer atividade que não fosse a arte de discutir assuntos da cidade e o bem-estar dos cidadãos. Por isso é que a escravidão nessas sociedades é fundamental, pois era o trabalho escravo que dava suporte material para que os cidadãos não precisassem viver do suor de seu rosto.

3. O trabalho na sociedade feudal
A propriedade feudal era constituída, no mínimo, de uma aldeia, das terras dos camponeses, das pastagens comuns, da igreja, da casa paroquial, das terras pertencentes a ela, da casa do senhor, que possuía o moinho o forno e o celeiro, bem como as melhores terras da propriedade. A produção nesse sistema tinha como base o trabalho na terra e esta se subdividia, basicamente, em três partes: uma para a plantação de outono, outra para a de primavera e uma outra para o pousio, isto é, uma porção, ou gleba de terra que ficava descansando, sem plantação. Dessa maneira, anualmente se fazia um rodízio entre as diversas glebas de terra, de tal maneira que sempre uma delas descansava enquanto as outras estavam produzindo de modo intercalar, ora com a plantação de outono, ora com a plantação de primavera.
Essa organização espacial de alguma forma já definida e ordenava o trabalho no interior da propriedade feudal. Os servos além de trabalharem em suas terras, eram também obrigados a trabalhar nas terras do senhor, bem como na construção e manutenção de estradas e pontes. Esta obrigação se chamava corvéia. Entretanto, havia uma série de outras obrigações que os servos deviam aos senhores, como, por exemplo, um imposto que se pagava por uma pessoa e atingia unicamente os servos. O censo era um outro imposto, mas esse era pago somente elos homens livres (camponeses e aldeãos). A talha era uma taxa que se pagava sobre tudo o que se produzia na terra e atingia todas as categorias dependentes. As banalidades consistiam em outra obrigação devida ao senhor e eram pagas pelos servos e camponeses, pelo uso do moinho, do forno dos tonéis de cerveja e pelo dato de, simplesmente, residirem na aldeia.
Como se pode perceber, eram os servos, os camponeses livres, os aldeãos, ou seja, as classes servis quem efetivamente trabalhava nessa sociedade. Os senhores feudais e o clero viviam, pois, do trabalho dos outros. Algo parecido com o que aconteci na sociedade Greco-romana.
Apesar de que o trabalho vinculado à terra ser o preponderante na sociedade feudal, isso não significa que outras formas de trabalho não existissem. Atividades artesanais nas cidades ou mesmo dentro do feudo e atividades comerciais nas cidades completam as outras formas de trabalho.
Segundo a concepção feudal, com base na Igreja Católica, o trabalho era uma verdadeira maldição e deveria acontecer somente na quantidade necessária à sobrevivência, não tendo nenhum valor em si mesmo. Como era a salvação individual o que importava, o trabalho era desqualificado, uma vez que não permitia a quem o executava uma constante meditação e contemplação – a forma de se chegar mais perto de Deus e, portanto, da salvação.

4. Trabalho, realização e alienação
Podemos definir trabalho como toda atividade pela qual o ser humano utiliza sua energia física e psíquica para satisfazer suas necessidades ou para atingir um determinado fim.
Por intermédio do trabalho, o homem acrescenta um “mundo novo” (a cultura) ao mundo natural já existente. O trabalho é, portanto, elemento essencial da relação dialética entre o homem e a natureza, entre o saber e o fazer, entre a teoria e a prática.
Nesse sentido, o trabalho é uma atividade tipicamente humana, porque implica a existência de um projeto mental que determina a ação a ser desenvolvida para se alcançar o objetivo almejado.
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a construção das colméias pelas abelhas atinge tal perfeição que envergonha muitos arquitetos. Mas o que distingue o pior dos arquitetos da melhor das abelhas é que ele projeta mentalmente a construção antes de realizá-la.(MARX, Karl)
Quando pensamos sobre o papel do trabalho em seu aspecto individual, verificamos que ele permite ao homem expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades. Pelo trabalho o homem é capaz de moldar e mudar a natureza e, ao mesmo tempo, alterar a si próprio. Ou seja, trabalhando o homem pode modificar o mundo e a si mesmo, produzir cultura e se autoproduzir.
Em seu aspecto social, isto é, como esforço conjunto dos membros de uma comunidade, o trabalho tem como objetivo último a manutenção da vida e o desenvolvimento da sociedade.
Assim, dentro dessa visão positiva e ideal, podemos concluir que o trabalho tem a função de promover a realização do indivíduo, a edificação da cultura e a solidariedade entre os homens.
Ocorre que, de categoria central da existência humana, o trabalho estaria perdendo seu poder irradiador de vida. Como isto aconteceu?
Ao longo da história, com o aparecimento da dominação de uma classe social sobre a outra, o trabalho foi desvirtuado de sua função positiva. Em vez de servir ao progresso de todos passou a ser utilizado para o enriquecimento de alguns. De ato de criação virou rotina de reprodução. De recompensa pela liberdade se transformou em castigo. Enfim, em vez de ato de realização, foi transformado em instrumento de alienação.
É interessante ressaltar que, Etimologicamente, o termo trabalho vem do latim tripalium, um instrumento de tortura feito de três paus. Na verdade, não há exagero em afirmar que, mesmo nos dias de hoje, o trabalho ainda é utilizado como instrumento de torturar e triturar o trabalhador.

PORTINARI

TEXTOS SOBRE TRABALHO II

5. Trabalho alienado
O processo de alienação afeta milhões de trabalhadores nas sociedades capitalistas modernas, onde a produção econômica transformou-se no objetivo do homem, em vez de o homem ser o objetivo da produção.
Esse processo iniciou-se no século XIX, quando o trabalho na maioria das indústrias começou a tornar-se cada vez mais rotineiro, automatizado, e especializado ao ser subdividido em múltiplas operações. Visava-se com isso economizar tempo e aumentar a produtividade. Era a chamada organização científica do trabalho, desenvolvida pelo engenheiro e economista norte-americano Frederick Taylor (1856-1915), cujo método ficou conhecido como taylorismo. A principal consequência do taylorismo é que a fragmentação do trabalho conduz a uma fragmentação do saber, pois o trabalhador perde a noção de conjunto do processo produtivo. A situação desgastante de rotina e taylorização acaba com o envolvimento afetivo e intelectual que o trabalhador teria com seu trabalho e essa relação vai se tornando fria, monótona e apática.
Isso pode ser observado nas indústrias modernas, onde a missão do operário reduziu-se ao cumprimento de ordens relativas à qualidade e à quantidade da produção. Tudo transcorre sem que o operário tenha controle sobre o resultado final do seu trabalho, nem governo sobre a finalidade do que fabrica. Sempre repetindo as mesmas operações mecânicas, o trabalhador produz bens estranhos à sua pessoa, aos seus desejos e às suas necessidades.
Ao executar a rotina do trabalho alienado, o homem vai se transformando em escravo daquilo que cria por uma razão básica: ele geralmente não desfruta dos benefícios que resultaram da sua atividade profissional. O trabalho alienado produz para satisfazer as necessidades do mercado. Produz, por exemplo, coisas maravilhosas para os ricos, enquanto mantém o trabalhador na miséria. Produz palácios, enquanto o trabalhador mora em barracos. Produz “inteligência”, mas também estupidez e bitolamento para os trabalhadores.
Enfim, o trabalho alienado costuma ser marcado pela rotinização, pelo desprazer, pelo embrutecimento e pela exploração do trabalhador.
Primeiramente, o trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador não se realiza em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no local de trabalho com uma sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um sentimento de bloqueio de suas energias físicas e mentais que provocam cansaço físico e depressão. Nessa situação, o trabalhador só se sente feliz em seus dias de folga enquanto no trabalho permanece aborrecido. Seu trabalho não é voluntário, mas imposto e forçado.
O caráter alienado desse trabalho é facilmente testado pelo fato de ser evitado como uma praga, desde que não haja a imposição de cumpri-lo. Afinal, o trabalhado alienado é um trabalho de sacrifício, de mortificação. È um trabalho que não pertence ao trabalhador mas sim à outra pessoa que dirige a produção (MARX, Karl)


6. Valorizar ou abolir o trabalho?
Nos países de tecnologia avançada observa-se atualmente um declínio da ética do trabalho, isto é, uma perda de valor do trabalho dentro da vida das pessoas. Para o sociólogo alemão Claus Offe: Recentes tentativas de “remoralizar” o trabalho e tratá-lo como categoria central da existência humana devem, por conseguinte, ser consideradas um sintoma da crise, mais do que um cura.
Para entendermos o porquê dessa crise do trabalho, precisamos primeiramente analisar alguns de seus traços dominantes na sociedade contemporânea. O trabalho caracteriza-se em nossos dias como um atividade basicamente compulsória e heterônoma. Compulsória porque a pessoa trabalha não por um ato interior de vontade, mas pela obrigação de ganhar dinheiro para viver. Heterônoma porque a pessoa trabalha obedecendo a regras, horários, padrões e finalidades fixados pelo empregador.
Essas características conferem ao trabalho um poder de alienação do indivíduo. E por isso ele perde seu valor dentro da vida das pessoas. Será possível revalorizar o trabalho, superando o processo de alienação que ele desencadeia?
Para alguns, mais conformados com a situação dominante, é possível superar a alienação desde que o trabalhador, por uma atitude interior, isto é, consciente e voluntariamente, aceite tudo o que há de penoso e mortificante na monotonia cotidiana e reconheça a nobreza e o valor social de sua tarefa. É a “filosofia” do fazer coisas pequenas com alma grande. Se houver amor e compreensão social na realização da tarefa diária, haverá renovação naquele que faz e naquilo que é feito.
Para outros, mais críticos em relação à ordem estabelecida, o trabalho compulsório e heterônomo é essencialmente alienante. E pretender que o trabalhador ame esse trabalho é cair no paradoxo de pedir ao homem que ame o desumano, ao oprimido que aceite a opressão, a uma pessoa que concorde em despersonalizar-se. Por isso, a proposta dessa corrente não consiste em desalienar o trabalho, mas em aboli-lo, liberando o tempo dos indivíduos.
A libertação do tempo poderia ter como meta a criação de atividades voluntárias e autônomas. Elas seriam exercidas por pessoas que teriam o poder de decidir sobre suas próprias vidas, seus corpos e seus objetivos.


7. Uma promessa não cumprida - Menos trabalho, mas trabalho para todos
José Edmar de Queiroz - Sadi dal Rosso

As sociedades modernas nasceram assentadas numa ética do trabalho. Trabalhar era a atividade que garantia aos cidadãos direitos básicos e todas as garantias sociais estavam vinculadas a ela. Assim, o trabalhador teria direito às férias, aposentadoria, assistência médica e em alguns países, sociedades de bem-estar social, estas garantias atingiam também o seguro desemprego, médico em casa, licença maternidade etc. No Brasil, por exemplo, o título de trabalhador é tão importante que o fato de não “ter carteira assinada” foi durante muito tempo considerado pela polícia nas ruas como um sinal claro de “conduta suspeita”.
Hoje, a maioria das sociedades capitalistas vive um momento de desemprego, seja ele estrutural (devido a própria forma de organização da sociedade e a adoção de novas tecnologias), seja conjuntural (devido a crises econômicas por que passam algumas nações).
Para quem foi socializado numa cultura do trabalho, a vida de desempregado não é a solução para alienação no trabalho. O desemprego não acaba com a alienação, mas a aprofunda criando a dependência do Estado e a exclusão.
Enquanto a sociedade sem trabalho não vem, resta ao trabalhador desempregado a difícil tarefa de se preparar para as novas formas de organização do trabalho e ao empregado, lutar para manter o emprego. A estes sobra também possibilidade de lutar pela redução da jornada de trabalho, o que abriria novos postos e aumentaria o seu tempo livre.

A duração do trabalho aumenta, hoje, ao mesmo tempo em que o desemprego cresce. Na França, Alemanha, Itália, Inglaterra e Bélgica, os desempregados formam 12% da população economicamente ativa, na Espanha 24%, na Argentina 18%, nos Estados Unidos da América do Norte 6,1% , no Brasil 7%. Hoje, não há problema social que faça sombra ao desemprego. Desempregados e subempregados somam em torno de um bilhão de pessoas no mundo.
Que fazer num momento de grave desemprego? Que política adotar? Duas soluções apresentam-se de imediato: ou aumentar o emprego ou repartir o trabalho. Neste ensaio, limito-me ao último ponto.
Se existe falta de trabalho, codividi-lo é uma solução. A codivisão tem alguns supostos. Primeiro, que se preserve o valor do salário. O segundo implica em redução da jornada para todos os que trabalham. Posto de outra forma, diminuindo a duração do trabalho para todos é possível aumentar o emprego.
A bandeira da diminuição das horas de trabalho é um palavra de ordem do movimento sindical internacional em sua luta contra o desemprego. Porém, é preciso atentar para dois aspectos supostamente irrelevantes da questão. Primeiro, a diminuição da jornada provoca aumento de emprego, sim, mas sempre em uma proporção menor do que as horas diminuídas. Isto porque quando se vêem frente a frente com a redução da jornada, os empregadores reorganizam suas atividades de modo a conter gastos. Frequentemente, nesta reorganização, o patronato consegue repartir o trabalho entre os empregados já ocupados ou mesmo modernizar as estruturas de trabalho de modo a dispensar ainda mais mão-de-obra. Da reestruturação interna pode resultar somente intensificação do trabalho e não aumento do emprego. Esse efeito perverso ocorre em condições em que os assalariados não têm capacidade de resistência frente à reorganização das atividades.
Em segundo lugar, a redução da jornada representa uma força saudável à medida que diminui o trabalho para todos, criando a possibilidade para o exercício de outras atividades igualmente importantes mas não compelidas pelo aguilhão da necessidade. Se o trabalho diminui ininterruptamente, o combate ao desemprego também passa pela constante redução da jornada. Do contrário, em pouco tempo volta a se reinstalar o desemprego.
O desemprego hoje, além de ser resultado de um processo histórico de substituição incessante do trabalho humano pelo trabalho das máquinas, responde a uma conjuntura de baixíssimas taxas de crescimento econômico. Afora os casos de nações asiáticas, as demais nações capitalistas, até mesmo as lideranças mundiais- Estados Unidos, Japão e Alemanha – vêm produzindo irrisórias, quando não negativas, taxas de crescimento econômico. Diante da ausência do crescimento, não há saída para o desemprego senão a codivisão do trabalho.


8. Informacionismo: a sociedade interativa
Após a onda milenária da era rural, após a onda bem mais breve do maquinismo industrial, mil novos sintomas anunciam o advento de uma terceira onda, de uma era pós-industrial capaz de exaltar a dimensão criativa das atividades humanas, privilegiando mais a cultura do que a estrutura.
A nova estrutura social está associada ao surgimento de um novo modo de desenvolvimento pós-industrialismo – o informacionismo ou sociedade interativa – moldado pela reestruração do modo capitalista de produção do século XX. Houve substanciais mudanças das tecnologias mecânicas para as tecnologias de informação.
A teoria clássica do pós-industrialismo (também chamada de economia de serviços) combina três afirmações e previsões que devem ser diferenciadas analiticamente:
• A fonte de produtividade e crescimento reside na geração do conhecimento, estendida a todas as esferas da atividade econômica mediante o processamento da informação;
• A atividade econômica mudaria de produção de bens para a prestação de serviços. O fim do emprego rural seria seguido pelo declínio irreversível do emprego industrial em benefício do emprego de serviços que, em última análise, constituiria a maioria esmagadora de ofertas de emprego. Quanto mais avançada a economia, mais seu mercado e sua produção seriam concentradas em serviços;
• A nova economia aumentaria a importância das profissões com grande conteúdo de informações e conhecimentos em suas informações e conhecimentos em suas atividades. As profissões administrativas, especializadas e técnicas cresceriam mais rápido que qualquer outra e constituiriam o cerne da nova estrutura social.
A sociedade informacional ou sociedade interativa, diferentemente da rural e da industrial que a antecederam, se caracteriza por delegar progressivamente o trabalho à eletrônica e por um relacionamento cada vez mais desequilibrado entre o tempo de trabalho e tempo livre, pendendo a favor deste último.
A aventura da busca de trabalho terá maiores possibilidades de ser bem-sucedida quanto mais o eventual trabalhador for capaz de oferecer serviços de tipo intelectual, científico, artístico, adequados às necessidades cada vez mais mutáveis e personalizadas dos consumidores. O futuro pertencerá àqueles que forem capazes de usar a head muito mais do que as hands, isto é, pertencerá a quem se ocupar de análise de sistemas, de pesquisa, de psicologia, de marketing, de relações públicas, de tratamento de saúde, de educação de viagens, de jornalismo e de formação.
Seja nos serviços, seja na indústria, a transição da produção padronizada para a personalizada comporta uma demanda maior por skilled people, as pessoas que produzem idéias são cada vez em maior número que as pessoas que produzem coisas. A informação e o conhecimento oferecem muito mais oportunidades a os detém.
(adaptado de Alvin Toffler, in A terceira onda)


9. Automação e novas formas de organização
Elizabeth Karam

Mão-de-obra com pouca ou nenhuma qualificação está condenada hoje a viver de bicos ou subempregos.
Ela não preenche as qualificações mínimas exigidas pelos países ricos, onde o processo de automação está muito avançado, o trabalho é organizado sob novas formas e surge um novo tipo de trabalhador.
Essas exigências começam a chegar ao Brasil, em especial naquelas empresas que trabalham com tecnologia de ponta nos setores de informática, biotecnologia e robótica.
A indústria automobilística ou o metrô da França são exemplos de uma realidade do primeiro mundo, onde a automação reduz os cargos necessários ao processo de produção. Um chefe munido de computadores consegue controlar todo o processo que antes precisava de vários trabalhadores. Com isso, foram eliminados os escalões intermediários.
Essa é a realidade observada pelo sociólogo Michel Freyssenet, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França.
Nesse panorama, observa ele, ocorre um processo de requalificação – uma espécie de volta aos padrões de qualificação existentes antes da adoção do taylorismo como modelo de produção em massa do início da industrialização. No antigo sistema, era qualificado o trabalhador que executava um serviço desde o início até o produto final. Com o taylorismo, adotou-se o princípio básico de estabelecer uma separação entre concepção e execução no trabalho.
Em vez de um “gorila amestrado”, com capacidade suficiente para colocar o parafuso no lugar indicado, como requeria o início da industrialização, hoje se exige um trabalhador com conhecimento de todo o processo, consciente do produto final e capaz de identificar um possível erro. Esse é o novo perfil exigido nas indústria que estão na linha de ponta no uso da tecnologia na produção, segundo pesquisa feita por Roberto Leher, professor do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A antiga figura do torneiro mecânico sujo de graxa corresponde hoje a um operador de um asséptico microcomputador. Entre uma e outra imagem, mudam a organização e as relações de trabalho, acompanhando a evolução de uma atividade física e motora que agora exige um outro comportamento e a leitura de um novo código. A qualificação também se transforma.


10. O discurso liberal que coloca o trabalhador como responsável pelo desemprego
Mário Bispo dos Santos

O discurso das classes dominantes sempre procura individualizar as soluções para os problemas sociais, por isso é um discurso liberal. De acordo com esse discurso, o desemprego é um problema do trabalhador que não se adaptou ao perfil exigido pela nova forma de organização do trabalho, isto é, um trabalhador que não possui criatividade, visão de conjunto, capacidade de liderança, de abstração, domínio de conhecimentos científicos que fundamentam a produção.
Então, cabe ao trabalhador, individualmente, buscar uma melhoria da sua qualificação e assim aumentar sua capacidade de encontrar empregos, isto é, sua empregabilidade, visto que, hoje, não há mais postos fixos e definitivos no mercado de trabalho.
Na linha desse discurso, o desemprego não parece ter nenhuma relação com as políticas públicas desenvolvidas. Ao contrário, o governo com as privatizações e abertura econômica têm aumentado a entrada de recursos externos no país que a médio prazo significarão um montante maior de investimentos na produção e, conseqüentemente, um maior número de empregos. O governo tem também priorizado, por meio de reformas e investimentos, a educação. A melhoria da qualidade da educação é fator preponderante na solução do desemprego visto que ele tem como causa principal a formação profissional precária do trabalhador brasileiro.
Ademais, conforme Dejours, nos mais diversos países difunde-se a idéia de que vivemos em plena guerra econômica. Uma guerra por mercados, onde, a principal arma é a competitividade. Uma guerra que justifica a utilização no mundo do trabalho de métodos que ampliam a exclusão.

...Métodos cruéis contra nossos concidadãos, a fim de excluir os que não estão aptos a combater nessa guerra (os velhos que perderam a agilidade, os jovens mal preparados, os vacilantes...): estes são demitidos da empresa, ao passo que dos outros, dos que estão aptos para o combate, exigem-se desempenhos sempre superiores e termos de produtividade, de disponibilidade, de disciplina e de abnegação. Somente sobreviveremos, dizem-nos, se nos superarmos e nos tornarmos ainda mais eficazes que nossos concorrentes.

Nós estamos diante, portanto de um discurso liberal que naturaliza as relações sociais, individualiza as questões sociais e enfatiza a educação como promotora da competitividade. Então nos parece que a principal disputa não é em torno da imposição do modelo econômico neoliberal, ainda que processos como privatizações, reformas do Estado, flexibilização do trabalho, demissões atinjam as pessoas concretamente. A luta principal, “a mãe de todas as guerras”, é para impor um discurso. Um discurso em torno daquilo que concretamente as atinge as pessoas, como a falta de posto no mercado de trabalho. Um discurso que centra no indivíduo a responsabilidade pela sua posição social, empregado ou desempregado, competente ou incompetente.
Enfim um discurso que é eficiente na preservação da atual estrutura econômica na medida em que dificulta a organização conjunta dos trabalhadores. A situação do desemprego, por exemplo, conforme Nunes e Soria, caso ela seja vivenciada como decorrência de modelo econômico excludente, coloca-se a possibilidade de luta pela modificação do modelo. Porém, caso essa situação seja compreendida como resultado de uma falha do indivíduo, coloca-se um entrava à ação coletiva.
Ressalta-se que é um discurso contraditório, pois, propõe uma educação que forme trabalhadores criativos, críticos, participativos e ao mesmo tempo, adaptados, dóceis e submissos à lógica da empresa.
Talvez seja esse caráter contraditório, o espaço de luta, no qual, os movimentos sociais devam buscar meios para que as reformas tenham um caráter mais avançado do que o atual. Não podemos nos esquecer de que as reformas em curso estão fundamentadas em princípios pedagógicos, como interdisciplinaridade, contextualização, utilização de múltiplas tecnologias, trabalho com projetos que estão presentes em diversas propostas e experiências de cunho progressista.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Delacroix

ROTEIRO PARA ANÁLISE DO FILME “VIDA DE INSETO”

1. Organização e funcionamento da sociedade
• De repente cai uma folha na trilha de algumas formigas: pânico entre elas. Uma grita “me perdi, vou ficar aqui para sempre”. Qual o motivo do pânico? Por que elas não contornam a folha? As formigas desenvolvem suas tarefas de acordo com normas, regras e valores. Exemplifique com outros momentos do filme tal situação. Quem faz as normas, regras e valores? Flink não se adapta aos valores preestabelecidos. Como ele é visto pelas demais formigas? Por que isso acontece?
• Em nossa sociedade como nós nos organizamos? Nós nos comportamos de acordo com os padrões preestabelecidos ou de acordo com nossas motivações internas? O que acontece se não nos comportarmos de acordo com as regras? Como você se sente vivendo em sociedade: livre ou prisioneiro? Vivemos uma democracia ou não? O que é democracia para você?
• Flink vive numa sociedade organizada para produzir os bens necessários para a sobrevivência das formigas, essa é a própria razão da existência do formigueiro. como as formigas organizam-se para lutar pela sobrevivência? Nesse processo de organização do formigueiro, qual é o papel do conhecimento e como são vistas as mudanças tecnológicas?
• Nós seres humanas vivemos em sociedade com qual objetivo? É possível a sobrevivência do ser humano como espécie sem sociedade? Na nossa sociedade, como é organizado o trabalho? O que você, como estudante produz? Como são produzidos os bens que você usa? Qual o papel do conhecimento e como são vistas as mudanças tecnológicas? Os conhecimentos das ciências da natureza contribuem para o trabalho ao se concretizarem em máquinas e artefatos. Como as ciências sociais contribuem para o processo de trabalho? De que forma? O que diferencia a atividade desenvolvida pelos homens tendo em vista a sobrevivência daquela desenvolvida pelos animais?

2. Organização política da sociedade capitalista
• Hooper, o líder da gang de gafanhotos, ao invadir o formigueiro lembra para todos como funciona o “esquema” que lhe permite ter o poder sobre as formigas. Na nossa sociedade, qual é o esquema que permite que em todos os grupos sociais a minoria tenha poder sobre a maioria? Hooper explicava seu poder como sendo natural. Como nos diversos grupos sociais aqueles que dominam explicam seu poder? O esquema de Hooper possibilitava que ele e sua gang vivessem do trabalho das formigas. Na sociedade brasileira, 10% da população consomem 50% da renda nacional, dito de outra forma, 90% de nós brasileiros sobrevivemos com a outra metade do bolo. Qual é o esquema de poder que sustenta tão injusta distribuição dos resultados do trabalho? Quem são as formigas e que são os gafanhotos no Brasil?
• O irmão de Hooper propõe que eles não voltem mais ao formigueiro, tendo em vista que a gang tem comida suficiente para passar o inferno. Hooper decide que a gang voltará.Quais foram os seus argumentos? Flink enfrenta Hooper e incentiva as formigas a fazerem o mesmo. Quais foram os seus argumentos? Qual a relação entre consciência e libertação? Opressão e alienação? Você é alienado? No meio da revolução das formigas contra seus opressores, a princesa Aba diz para Hooper: “as formigas trabalham, as formigas comem e os gafanhotos voam”. A princesa então definiu outro esquema de poder? O que permitiu que tal revolução fosse feita? No que o exercício de poder está baseado a força? No que está baseado na argumentação e no convencimento? Qual a relação entre poder e saber?
• No Brasil, milhões de pessoas trabalham como formigas, de sol a sol, e não usufruem das riquezas provenientes do trabalho. Quais as possibilidades de mudança no esquema de poder no Brasil? Flink fez algo para mudar o esquema de poder. E você o que tem o que? Você já participou de alguma mudança de esquema de poder? Uma das formas de mudar o esquema de poder é estudar e conhecer a realidade. Nesse sentido a escola é um lugar privilegiado. Como você tem aproveitado seus momentos de estudo sobre a realidade social? Quais as habilidades e competências que você tem desenvolvido que contribuem para você mudar a realidade? Quais as dificuldades que você enfrentou nesse processo de aprendizagem?

sábado, 14 de novembro de 2009

Tarsila

Desterrado - Frei Beto

No oitavo andar, mesmo descalço, estou distante da superfície. Há uma montanha de cimento e ferro entre meu corpo e a terra que produz alimentos e flores, abre-se em rios e mares, acolhe pedras e absorve chuvas.
Desço e, a caminho do trabalho, sou transportado por um veículo que me mantém a certa distância do dorso do Planeta. Trafego por avenidas que já forma rios e ruas que vedam as costas de nossa morada cósmica com uma densa camada de asfalto.
Subo no elevador, essa caixa metálica que nos distribui por salas e escritórios, marionetes agitadas de um gigante invisível que ri de nossa sofreguidão. À hora do almoço, piso calçadas espessas com meus pés cobertos por grossas solas de material sintético.
Nunca deixo meu corpo em contanto direto com a mãe Gaia. Meu computador tem um fio-terra, mas eu não. Guardo em mim toda energia acumulada, excessiva, que dilata gorduras que entopem artérias, faz desabrochar úlceras, prepara o coração para o infarto e aquece a tensão quem me torna irritadiço e estressado.
Não tenho nenhum canal aberto por onde a energia acumulada possa fluir e descarregar. Não piso a relva para não sujar os pés; temo me arranhar na aridez das pedras; e quase nunca mergulho no mar, cuja salinidade opera o descarrego do corpo.
Ser aéreo, trafego sem contato direto com o Planeta que é minha terra mátria. Dele sugo a vida e minha própria história biológica e psíquica. Nosso percurso rumo à vida teve início, juntos, há 3,5 bilhões de anos, quando começou a resfriar o calor que revestia este fragmento de Sol.
Carregado pela fita isolante que me envolve, não piso na Terra e, por isso, piso em meus semelhantes. Impaciente, reajo bravo a todo contratempo e trago a intolerância como escudo. Sou um filho de Gaia que cortou o cordão umbilical, como se eu pudesse dispensar o leite materno.
Já não intercambiamos energias. Meus pés, guarnecidos por meias e sapatos, servem apenas para movimentar as pernas. Assim, isolo meu corpo e isolo o corpo do Planeta, escondendo-o sob pedras, areia, asfalto e prédios.
Enterro a Terra. Sem me dar conta de que, de fato, construo minha própria tumba, tão lacrada quanto a dos faraós. A diferença é que eles as ocuparam quando mortos. Eu ocupo um espaço muito mais amplo do que as pirâmides. Vivo no imenso sarcófago da megalópole, cujos shopping-centers são pirâmides estilizadas. Ouço cada vez mais o sussuro dos mortos, e menos o hálito saudável de Gaia.
Sou um desterrado. E ainda insistem em me convencer de que isso é progresso.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

WODICZKO

ANÁLISE DO FILME “SHOW DE TRUMAN”

Discutir em duplas ou trios as questões levantadas abaixo e apresentar um relatório ao final:

1. O artificialismo da sociedade moderna
• As relações sociais e afetivas de Truman eram todas falsas. Sua mãe, seu pai, sua esposa, seu amigo eram falsos. Na sua vida e nas suas relações sociais e afetivas como é possível saber o que é real do que é falso, o que é consistente do que é inconsistente, o que é duradouro do que é temporário? Que critério você utiliza?
• A cidade de Truman parecia realmente uma cidade cenográfica, havia um artificialismo muito grande em tudo. Como você poderia identificar o artificial em nossa sociedade?
• No começo do filme a mulher de Truman diz: “para mim a minha vida particular e a pública são iguais.” Reflita sobre as conseqüências desse tipo de pensamento, ou seja, de confundir e misturar o público e o privado. Pense isso em termos sociais e políticos.

2. A sociedade “tevecêntrica”
• No filme, observamos que os telespectadores passavam o dia inteiro assistindo televisão. Na sociedade moderna a TV também ocupa um lugar de destaque. Antigamente as famílias se reuniam à noite para contar “causos”, os pais contavam sobre os acontecidos, as mães relatavam as travessuras dos filhos... Atualmente todos se reúnem diante da TV, na sala, onde é proibido falar, ela é o centro das atenções. Que reflexos podemos detectar desse tipo de comportamento para os grupos sociais, principalmente para a família?
• Em certo momento o diretor diz para Truman: “O mundo real é igual ao mundo que eu criei para você. Tem as mesmas mentiras, as mesmas decepções, mas no meu mundo você não tem nada a perder.” Por que, muitas vezes, nós preferimos a ilusão das telenovelas, dos Big Brothers à realidade que nos cerca?

3. A manipulação dos meios de comunicação de massa sobre a sociedade e sobre o indivíduo
• No filme, pudemos observar a todo momento como o show e a TV eram utilizados para vender produtos. O que sustenta um canal de TV é a venda de produto. Em que medida você se sente influenciado pelas propagandas? O que você faz ou não faz para superar essa influência?
• O diretor do Show de Truman agia como um deus, manipulando Truman e o público. Os donos dos meios de comunicação de massa em nossa sociedade agem da mesma maneira. Cite algumas medidas legais que poderiam ser tomadas para que o poder da imprensa não fosse tão grande.
• Truman foi preso desde bebê por um programa televisivo, não teve como se defender. No entanto, através de um esforço imenso, principalmente observando e refletindo sobre a sua realidade, ele conseguiu se libertar do mundo em que foi aprisionado. A nossa situação é bem melhor que a de Truman. Que ações ou comportamentos deveríamos ter para que não fiquemos tão presos e influenciados pelos meios de comunicação de massa?

“Bom dia! E caso não os veja novamente... Uma boa tarde e uma boa noite!”

ATIVIDADE 2: Trabalho individual – Show de Truman: parte 2 - A vida real
No final do filme, Truman decide sair do mundo artificial criado para ele e viver uma vida real. Você deverá elaborar uma crônica contando um episódio dessa nova vida. Como Truman irá se relacionar com as pessoas fora do seu show? Lembre-se que ele não construiu nenhuma relação realmente verdadeira em sua vida, tudo era falso: sua família, seu amigo, seu trabalho. Sua crônica deverá contar como serão suas relações sociais e afetivas. Truman aproveitará algum aprendizado social que teve no show ou partirá da estaca zero? Tente, invente, seja criativo.

Neodadaismo

Conceitos básicos para a vida social

Isolamento social
Aristóteles tinha razão ao afirmar: "o homem é por natureza um animal social". A vida em grupo é uma exigência da natureza humana. O homem tem necessidade dos seus semelhantes para sobreviver, para propagar e perpetuar a espécie e para realizar-se plenamente como pessoa.
A sociabilidade, a tendência natural para viver em sociedade, é desenvolvida através do processo de socialização. Este é um processo social global, através do qual o indivíduo se integra no grupo em que nasceu, assimilando o conjunto de hábitos e costumes característicos do grupo. Participando da vida em sociedade, aprendendo suas normas, valores e costumes, o indivíduo está se socializando. Quanto mais adequada a socialização do indivíduo, mais perfeitamente sociável ele se torna.
O isolamento social é a ausência de contatos sociais. Existem mecanismos que reforçam o isolamento social. Entre eles estão as atitudes de ordem social e individual. Entre as de ordem social temos os vários tipos de preconceitos (de cor, de religião, de sexo etc.). Um exemplo histórico bastante conhecido de preconceito é o anti-semitismo, voltado contra os judeus. Foi especialmente violento durante a Idade Média e, de 1933 a 1945, nos países dominados pela ideologia nazista. A África do Sul é outro exemplo de país onde existia uma legislação que afastava do convívio social uma parte da população: era o apartheid, que a minoria branca impunha à maioria negra, relegando seus membros à condição de cidadãos de segunda classe.
Como atitude de ordem individual que reforça o isolamento social podemos citar a timidez. O sociólogo Karl Mannheim considera que a timidez, o preconceito e a desconfiança são capazes de produzir um isolamento parcial semelhante ao ocasionado pelos defeitos físicos.
A história demonstra que o convívio social foi e continua a ser decisivo para o desenvolvimento da humanidade. As descobertas de um membro de um grupo, comunicadas aos outros, tornam-se estímulo e ponto de partida para aperfeiçoamentos e novas descobertas. Transmitidas de geração a geração, elas não se perdem com a morte de seus descobridores. O homem se guia pela inteligência: sobre o alicerce do instinto gregário ele edifica o convívio social, cujas formas se transformam de acordo com as mudanças que ocorrem em cada grupo e de acordo com as condições em que ele vive.

Contatos sociais
Ao dar uma aula, o professor entra em contato com seus alunos; o cliente e o vendedor de uma loja estabelecem contato na hora da venda de uma mercadoria; dois irmãos conversando também estabelecem um contato social.
O contato social é a base da vida social. É o passo inicial para que ocorra qualquer associação humana. Os contatos sociais podem ser:
• Primários: são os contatos pessoais, diretos, faca a face, e que têm uma base emocional, pois as pessoas neles envolvidas compartilham suas experiências individuais. São exemplos característicos de contatos sociais primários os que ocorrem na família entre pais e filhos, entre irmãos, entre marido e mulher, entre amigos. As primeiras experiências dos indivíduos se fazem com base em contatos face a face, como na família, nos grupos de brinquedo, na escola, na igreja etc.
• Secundários: são os contatos impessoais, calculados, formais; são mais um meio para atingir um determinado fim. Por exemplo, o contato do passageiro com o cobrador do ônibus, apenas para pagar a passagem; ou o contato do cliente com o caixa do banco ao descontar um cheque.
É importante destacar que as pessoas que têm uma vida baseada mais em contatos primários desenvolvem uma personalidade diferente daquelas que têm uma vida com predominância de contatos secundários. Um lavrador, por exemplo, apresenta uma personalidade bastante diversa da de um executivo.
Com a industrialização e a conseqüente urbanização, diminuíram os grupos de contatos primários, pois a cidade é a área em que há mais grupos nos quais predominam os contatos secundários.
As relações humanas nas grandes cidades são fragmentadas e impessoais devido aos contatos sociais secundários. A proximidade física não quer dizer proximidade afetiva numa metrópole onde a violência é grande. A vida na metrópole facilita os conflitos; um exemplo de individualismo cultivado nas grandes cidades é a briga de vizinhos.
Comunicação
A comunicação é vital para o homem enquanto ser humano social e para o desenvolvimento de qualquer cultura.
O principal meio de comunicação que o homem possui é a linguagem. Através da linguagem ele atribui significados aos sons articulados que emite; isso é possível porque ele é dotado de inteligência. Graças à linguagem, o homem pode transmitir seus pensamentos e sentimentos a seus semelhantes, bem como passar aos descendentes suas experiências e descobertas, fazendo com que o conhecimento por ele adquirido não se perca com a sua morte.
À medida que as sociedades tornaram-se mais complexas, os meios de comunicação foram se aperfeiçoando. Um grande avanço foi o surgimento da escrita, na Mesopotâmia, por volta de 4000 a.C. A invenção da imprensa por Gutenberg, no século XV, foi outro passo importante. No século passado e neste assistimos a invenção do telégrafo, do telefone, do rádio, do cinema, da televisão, do telex e da comunicação por satélite.
Através desses meios de comunicação, os fatos, as idéias, os sentimentos, as atitudes, as opiniões são compartilhadas por um conjunto enorme de indivíduos e atingem um grande número de países. Segundo o especialista em comunicação Marshall Mcluhan, o mundo moderno é uma autêntica "aldeia global", onde os fatos, opiniões e modos de vida são compartilhados pela maioria. Os meios de comunicação de massa moldam as idéias e opiniões de inúmeras pessoas.
Interação social
Quando dá uma aula, o professor está em contato social com seus alunos e estabelece comunicação com eles. Os alunos aprendem coisas; seu comportamento, portanto, sofre uma modificação. Também o comportamento do professor sofre modificações: sua explicação é diferente de uma classe para outra, ele detém-se num ponto mais difícil e pode até mudar de opinião depois de uma discussão em classe. Portanto, o professor influencia os alunos e também sofre influência deles. Dizemos então que existe entre eles uma interação social.
O aspecto mais importante da interação social é que ela provoca uma modificação de comportamento nos indivíduos envolvidos, como resultado do contato e da comunicação que se estabelece entre eles. Desse modo, fica claro que o simples contato físico não é suficiente para que haja uma interação social. Por exemplo, se alguém se senta ao lado de outra pessoa num ônibus, mas ambos não conversam, não está havendo interação social.
Os contatos sociais e a interação social constituem, portanto, condições indispensáveis à associação humana. Os indivíduos se socializam através dos contatos e da interação social.
A interação social pode ocorrer entre uma pessoa e outra, entre uma pessoa e um grupo ou entre um grupo e outro:
pessoa  pessoa
pessoa  grupo
grupo  grupo

A interação assume formas diferentes. A forma que a interação social assume chama-se relação social. Um professor dando aula tem um tipo de relação social com seus alunos - a relação pedagógica. Da mesma forma, uma pessoa comprando e outra vendendo estabelecem uma relação econômica. Além dessas, as relações sociais podem ser políticas, religiosas, culturais, familiares etc.
A forma mais típica de interação social, como vimos, é aquela em que há uma influência recíproca entre os participantes. Mas alguns autores falam em interação social quando apenas um dos elementos influencia o outro. Isso acontece quando um dos pólos da interação está representados por um meio de comunicação apenas físico, como a televisão, o livro, uma gravação. Assim é que, quando um indivíduo assiste a um programa de televisão, ele pode ser influenciado pelo programa, mas não o influencia. Ocorre, nesse caso, uma interação não-recíproca. Neste tipo de interação, apenas um dos lados influencia o outro.

Assimilação
A assimilação é a solução definitiva e tranqüila do conflito social. Pela assimilação se suspendem os conflitos. Trata-se de um processo de ajustamento pelo qual os indivíduos ou grupos diferentes tornam-se mais semelhantes. Difere da acomodação porque implica em modificações internas no indivíduo ou no grupo, sendo geralmente inconsciente e involuntária. As modificações internas envolvem, pois, mudanças na maneira de pensar, sentir e agir.
A assimilação processa-se por um mecanismo de imitação, exigindo um certo tempo para se realizar. É um processo longo e complexo.
O exemplo típico de assimilação é o do imigrante. Ele, que a princípio, se acomodou num novo país, vai sem perceber, se deixando envolver pelos costumes, símbolos, tradições e língua da nova pátria.
No Brasil, tivemos os casos da assimilação dos alemães em Santa Catarina e dos japoneses em São Paulo, entre outros. No início, esses imigrantes falavam línguas bastante diferentes da nossa, além de trazerem valores e costumes diversos. Enquanto esses elementos se mantiveram enraizados no espírito e nos hábitos dos imigrantes, cada grupo chegou a constituir um corpo estranho na sociedade brasileira. Viviam fisicamente próximos dos brasileiros, mas culturalmente ainda estavam longe. Somente quando as características marcantes de suas culturas de origem se atenuaram ou se desfizeram - sendo substituídas pelos hábitos e costumes brasileiros - é que os imigrantes puderam ser assimilados (e de fato o foram). Eles se desfizeram de sua primeira identificação cultural e passaram a se identificar com a nova cultura, tornando-se parte integrante da sociedade adotada.
Outro exemplo de assimilação é a conversão. O indivíduo convertido religiosamente, politicamente ou filosoficamente, abandona suas antigas atitudes, convicções e sentimentos, adotando os novos. Enquanto a revolução é um fenômeno social puramente exterior, a conversão é um fenômeno nitidamente interior.
Concluindo, o aspecto importante da assimilação é que ela implica uma modificação sensível da personalidade. O processo de assimilação atinge áreas profundas e extensas da personalidade, envolvendo valores e atitudes fundamentais. As modificações que ocorre dizem respeito à maneira de pensar, sentir e agir.

Acomodação
Quando, num conflito, um dos adversários derrota o outro, o derrotado, para não correr o risco de ser totalmente liquidado, aceita as condições impostas pelo vencedor. Ocorre uma acomodação, pois o vencido aceita as condições impostas, ficando numa situação de subordinação. A escravização dos vencidos, comum na Antigüidade, é um caso típico de acomodação.
Quando alguém cumpre uma lei ou segue um costume com os quais não concorda, só para evitar sanções, também se enquadra num caso de acomodação. Por exemplo, um estrangeiro que não aprecia o modo de vida do país em que mora acomoda-se a ele apenas para ficar bem com aqueles que o recebem. Normalmente, os imigrantes recém-chegados entram num processo de acomodação: deixam de lado sua língua e seus costumes, adaptam-se à nova vida. Tudo para se prevenir do pior: o conflito.
A acomodação é o processo social em que o indivíduo ou o grupo se ajustam a uma situação de conflito, sem que tenham sofrido transformações internas. É a solução superficial do conflito, porque este continua latente, isto é, pode ocorrer novamente. Isto ocorre porque na acomodação não há mudança de pensamentos, sentimentos e atitudes; as mudanças de comportamento são apenas exteriores.
Podemos dizer, portanto, que acomodação é o ajustamento de indivíduo ou de grupos apenas nos aspectos externos do comportamento. Ela provoca a diminuição do conflito. Este só desaparece com a assimilação.

Cooperação
A cooperação é a forma de interação social na qual diferentes pessoas, grupos ou comunidades trabalham juntos para um mesmo fim. São exemplos de cooperação: a reunião de vizinhos para limpar a rua; um grupo de pessoas que se organiza para fazer uma festa; um mutirão de moradores para construir um conjunto habitacional.
A cooperação pode ser:
• direta: compreende as atividades que as pessoas realizam juntas, como, por exemplo, o conserto da cerca de uma fazenda;
• indireta: é aquela em que as pessoas, mesmo realizando trabalhos diferentes, necessitam indiretamente uma das outra, por não serem auto-suficientes. Tomemos o exemplo de um médico e de um lavrador: o médico não pode viver sem o alimento produzido pelo lavrador, e este necessita do médico quando fica doente.

Competição
O comerciante que procura conquistar os fregueses de outro comerciante e os estudantes que lutam por uma vaga no vestibular estão todos envolvidos numa competição.
Há sociedades que estimulam mais a competição que outras. Entre as tribos indígenas, geralmente não há um "espírito competitivo" tão acentuado com em nossa sociedade. As sociedades modernas - principalmente nos países capitalistas - estimulam os indivíduos a competirem em todas as suas atividades - na escola, no trabalho e até no lazer.
A competição é uma força que leva os indivíduos a agirem uns contra os outros, em busca de um melhor "lugar ao sol". A competição nasce da vontade de ocupar uma posição social mais elevada, de ter uma importância maior no grupo social, de conseguir riqueza ou poder etc.
Como nem todos podem "subir", e alguns não conseguem atingir seus objetivos, pode ocorrer o sentimento de inferioridade. Esse sentimento pode levar o indivíduo a reagir, a tentar se superar, como pode levá-lo a uma depressão e a um desânimo ainda maiores.

Conflito
Quando a competição assume características de elevada tensão social sobrevem o conflito. Freqüentemente vemos no noticiário dos jornais e da televisão relato de conflitos em diversas partes do mundo: combates na Colômbia entre o governo e as FARCs, motins e fugas em presídios, invasões de terras, guerras, atentados terroristas etc.
O conflito social é um processo pelo qual o homem provoca mudanças sociais. Tomemos como exemplo os negros norte-americanos. Depois de violentos choques com a polícia na década de 1960, eles conseguiram ver reconhecida uma série de direitos civis.
O conflito pode tomar forma de rivalidade, discussão, disputa, litígio e guerra. O conflito é bem evidente na luta entre partidos políticos, entre seitas religiosas e entre nações.
O conflito pode implicar violência ou ameaça de violência. Pessoas em conflito umas com as outras estão conscientes de suas divergências, havendo entre elas sentimentos adversos, como antipatia, rivalidade, ódio e crítica fortemente carregada de emoção. Os oponentes tendem, em geral, a não considerar as qualidades uns dos outros e a exagerar os defeitos, emitindo juízos pessoais e subjetivos.
No conflito, o primeiro impulso é tentar agredir ou destruir o adversário. Enquanto a competição é contínua, o conflito não pode durar permanentemente com o mesmo nível de tensão.


AVALIAÇÃO: CONCEITOS BÁSICOS PARA A COMPREENSÃO DA VIDA SOCIAL (duplas ou trios)

 Utilizando os Conceitos Básicos para a Compreensão da Vida Social faça um comentário escrito relacionando estes conceitos com o texto abaixo( 20 a 30 linhas):

“A greve de qualquer categoria profissional é uma situação de conflito entre patrões e empregados. Uma sociedade estável, organizada e democrática controla o conflito. Limita-o com regras. As negociações coletivas entre os trabalhadores e a indústria são exemplos de conflitos limitados. Uma grande parte do conflito é canalizada pelos tribunais. Encerrado o conflito, novas relações podem surgir.” (Boudon, R. & Bourricaud, F. Dicionário Crítico de Sociologia. 1993.)

 Relacione com este texto o máximo de conceitos básicos que conseguir, tais como, conflito, acomodação, competição, cooperação, assimilação, comunicação, isolamento, interação social, etc. Não se esqueça de relacionar e comentar.

* Não esqueça o cabeçalho completo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Futurismo

OS ROBOCOPS TOMARÃO NOSSO PLANETA?

A discussão que hoje se trava com mais intensidade entre os pensadores, filósofos, intelectuais deste mundo tecnocêntrico é a comparação entre o homem e a máquina. Nos Estados Unidos, há um centro de pesquisas com um grupo de pensadores preocupados com a questão da inteligência artificial. Eles acham que a máquina já superou o homem em muitas de suas atividades e pode tornar-se mais perfeita do que ele em praticamente todas. Partem do princípio de que o modo de pensar humano é baseado numa lógica identificável e que a partir de seu conhecimento, os robôs poderão apropriar-se deste procedimento e assim ultrapassar com vantagem o homem, na medida em que não terão seus aspectos negativos: perversidades, fraquezas, formas de corrupção, imoralidade, desonestidade, deslealdade entre outras.
Os pesquisadores norte-americanos chamados de “conexionistas” investigam inclusive a ligação possível entre homem e máquina por meio de um sofisticado sistema de neurônios que, de certa forma, imitaria o cérebro humano e permitiria às máquinas, com suas vantagens, pensar como homens. A ficção científica está cheia desses exemplos, que incorporam seres Robocops e todos esses andróides que povoam muitos filmes atuais.
Mas a discussão está marcada por um equívoco fundamental, provocado por um conjunto de informações erradas e também por uma concepção de mundo que não corresponde à realidade dos fatos. Geralmente, reduz-se o pensamento humano àquelas regras lógicas e elementares que os homens usam para raciocínios simples, como as lógicas matemáticas, as lógicas elementares de dedução e indução, entre outras, e parte-se do princípio que dominando essas lógicas chegar-se-ia a um aperfeiçoamento do homem através do seu duplo, a máquina.
O grande equívoco está no fato de que se toma aquilo que é uma invenção humana, fabricada para ser prolongamento do homem, para lhe facilitar as funções, como um equivalente do homem. É natural que em muitas atividades a máquina seja superior ao homem. Mas isto não se refere apenas aos computadores de quinta geração, que hoje dominam o mercado com seus dotes fascinantes. O automóvel, quando foi criado, superava o homem em seu caminhar, assim como o transporte por carruagem, na medida em que era mais rápido, mais confortável, melhor para o homem. E assim é com os demais equipamentos técnicos utilizados para executar trabalhos de forma mais eficaz que os homens. Até aí nada de novo.
Ocorre que o homem não se limita às funções elementares. É também um complexo de indeterminações, e isso o torna fascinante. Pode-se dizer que um computador seja capaz de pintar uma tela, de compor uma música, de fazer um poema, de escrever um livro. Isso nunca deixará, entretanto, de ser obra de computador. Será o resultado de um conjunto de informações dadas por homens, sobre as quais ele vai trabalhar e até criar. Mas é uma criação que parte de uma esterilidade técnica.
O homem, ao contrário, é total imprevisibilidade. Ele é racionalidade misturada com irracionalidade, sanidade com loucura, positividade com negatividade. Em suma, ao mesmo tempo que pode ser uma criatura racional, coerente, lógica, eficiente, também pode ser um sujeito carregado de dores, sofrimentos, ilusões, tristezas, angústias, melancolias.
Tudo isso faz parte de um espaço de liberdade que o homem tem exatamente por ser criador. A máquina também cria, de certa maneira. Ela caria a partir daqueles processos lógicos e matemáticos citados, a partir de dados que lhe são fornecidos. Ela desdobra esses dados e cria infinitamente novas possibilidades a partir deles, além de poder corrigir suas falhas e superá-las na medida em que aparecem num processo de permanente auto-reprogramação.
Mas o que distingue exatamente um ser vivo de um robô é aquilo que em todas as formas de cultura caracterizou uma intervenção humana num sentido absolutamente original. Uma máquina pode imitá-lo em todas as funções, mas lhe falta capacidade de converter-se em ser humano. Todas as imitações serão sempre formas derivadas de uma matriz que está fora da máquina. Só o homem é capaz de fantasiar, imaginar, produzir a partir do nada e também a partir de uma quantidade infinita de informações.
O homem, que criou a máquina e que a vê progredindo cada vez mais, desenvolvendo-se, superando suas próprias expectativas, há de constatar, em qualquer época, que ela não será um novo escravo. Não se repetirá, como na passagem de teocentrismo para o antropocentrismo, uma revolta da criatura contra seu criador, exatamente porque tanto a divindade quanto esse conjunto de sistemas técnicos e informáticos que temos aqui são, apesar da contestação da religião, obras do homem.

CIRO MARCONDES FILHO