segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Os 12 profetas

CULTURA - Textos

Um chinês louro, de olhos azuis
Clyde Kluckhohn.

Há alguns anos, conheci em Nova York um jovem que não falava uma palavra em inglês e estava evidentemente perplexo com os costumes americanos. Pelo “sangue”, era tão americano como qualquer outro, pois seus pais eram de Indiana e tinham ido para a China como missionários.
Órfão desde a infância, fora criado por uma família chinesa, numa aldeia perdida. Todos os que o conheceram o acharam mais chinês do que americano. O fato de ter olhos azuis e cabelos louros impressionava menos que o andar chinês, os movimentos chineses dos braços e das mãos, a expressão facial chinesa e os modos chineses de pensamento
A herança biológica era americana, mas a formação cultural fora chinesa. Ele voltou para a China.

1. O conceito antropológico de cultura
Marilena Chauí

Em termos antropológicos, podemos definir a cultura como tendo três sentidos principais:

1. Criação da ordem simbólica da lei, isto é, de sistemas de interdições e obrigações, estabelecidos a partir da atribuição de valores às coisas (boas, más, perigosas, sagradas, diabólicas), aos seres humanos e às suas relações (diferença sexual e proibição do incesto, virgindade, fertilidade, puro-impuro, virilidade: diferença etária e forma de tratamento dos mais velhos e dos mais jovens; diferença de autoridade e formas de relação de poder etc) e aos acontecimentos (significado das guerra, da peste, da fome, do nascimento, da morte, da obrigação de enterrar os mortos, proibição de ver o parto etc);

2. Criação de uma ordem simbólica da linguagem, do trabalho, do espaço do tempo, do sagrado e do profano, do invisível e do visível. Os símbolos surgem tanto para representar quanto para interpretar a realidade, dando-lhe sentido pela presença do humano no mundo;

3. Conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os homens se relacionam entre si e com a natureza e dela se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando. Esse conjunto funda a organização social, sua transformação e sua transmissão de geração em geração.


2. Cultura e identidade
Mário Bispo

Para a Antropologia, cultura é tudo aquilo que os homens produzem intencionalmente para sobreviver e satisfazer suas necessidades isto é: bens materiais, idéias, valores, linguagens, modos de pensar, sentir e agir.
Assim, afirmar que um povo não tem cultura ou que um indivíduo é inculto - por escutar música brega, assistir telenovelas e detestar teatro - é um erro do ponto de vista científico; confunde-se diferença cultural com sua inexistência. “O povo tem outras expressões culturais cujo ‘defeito’ é de não serem as mesmas da elite ou contrárias as da elite”. Foi justamente a elite que criou certas oposições de caráter pejorativo: cultura erudita x cultura popular, cultura primitiva x cultura civilizada.
Aliás, cabe lembrar que para a Sociologia, civilizar significa transformar, humanizar a natureza e assim, produzir a cultura. A civilização é o momento de elaboração das invenções e descobertas realizadas pelo homem para proteger sua vida, para torná-la mais independente das forças naturais.
No entanto, no contexto do imperialismo europeu, no século XVIII, civilizar passou a significar o enquadramento das culturas denominadas primitivas, a partir dos modelos culturais ditados por franceses, alemães e ingleses.
Para a Sociologia, a identidade é a fonte de significados e experiências de um povo, de uma nação, de uma etnia, de um grupo social. É um processo de construção de significado com base em um ou mais atributos culturais: a língua, os costumes, religião, as expressões artísticas como a dança e a música.
Por meio de um processo de comparação social, os indivíduos avaliam as características do grupo ou grupos a que pertencem. Nesse processo, eles procuram, comparando o seu grupo aos outros grupos, construir uma identidade social positiva. A comparação conduz ao favoritismo do próprio grupo e à discriminação dos outros grupos. Eis uma das causas dos conflitos étnicos, religiosos, raciais.
Todos nós estamos inseridos em diferentes grupos sociais. Como conseqüência, nós temos várias referencias para a formação de nossa identidade individual: família, raça, sexo, religião, idade, profissão, preferências musicais, etc. Para você, o que mais pesa na construção da sua identidade? A partir de quais atributos, as pessoas identificam você?
Nas comunidades antigas, a família era um desses fatores, por isso, a importância do sobrenome. Ele expressava uma profissão de um ancestral ou seu lugar de origem, seu território. Outros fatores importantes eram as músicas e danças. Elas contavam a história do povo.
Mas, com a globalização, há emergência de novas formas de identificação coletiva, as quais, por não mais se definirem em função de um pertencimento territorial, ou de uma tradição imemorial, mas em função de questões de relevância global.


3. A resposta dos índios

Certa vez, os governos dos estados da Virgínia e de Maryland, nos Estados Unidos, sugeriram aos índios que enviassem alguns de seus jovens para estudar nas escolas dos brancos. Na carta-resposta, os indígenas agradeciam, recusando. Eis um trecho da carta dos indígenas:
(...) Nós estamos convencidos, portanto, de que os senhores desejam o nosso bem e agradecemos de todo coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.
(...) Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo ou construir uma cabana, e falavam nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão concordamos que os nobres senhores de Virgínia nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles, homens. (citado por Carlos Rodrigues Brandão, O que é educação.)
Essa carta dos indígenas aos brancos mostra que não há um modelo único, uma forma única de educação. Mostra também que a cultura de uma sociedade é transmitida das gerações adultas às gerações mais jovens através da educação. Educar, pois, é transmitir aos indivíduos os valores, os conhecimentos e as técnicas, o modo de viver do grupo. Enfim, sua cultura.
A cultura é a “a vida total de um povo, a herança social que o indivíduo adquire de seu grupo. ou pode ser considerada a parte do ambiente que o próprio homem criou”.( Clyde Kluckhohn)
O antropólogo inglês Edward Tylor (1832-1917), definiu cultura como “todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.” Da definição de Tylor, que nega a base biológica da sociedade, provém a oposição entre natureza e cultura, com a supremacia da segunda sobre a primeira.
A aquisição e perpetuação da cultura é um processo social - e não biológico - resultante da aprendizagem. Cada sociedade transmite às novas gerações o patrimônio cultural que recebeu de seus antepassados. Por isso, a cultura é também chamada de herança social.
Cada povo tem uma cultura própria. Cada sociedade elabora sua própria cultura e recebe influência de outras culturas. Todas as sociedades, desde as mais simples até as mais complexas, possuem cultura. Não há sociedade sem cultura, do mesmo modo que não existe ser humano destituído de cultura. Desde que nasce, o homem é influenciado pelo meio social em que vive. A não ser o recém-nascido e os raros indivíduos que foram privados do convívio humano, não há pessoa desprovida de cultura. A cultura é um estilo de vida próprio, um modo de vida particular, que todas as sociedades possuem e que caracteriza cada uma delas.
A palavra cultura é utilizada em diversas situações com diferentes significados. Os biólogos se referem a criação de certos animais falando em cultura de germes, cultura de carpas etc.
Na linguagem cotidiana dizemos que um homem que freqüentou boas escolas, leu bons livros e possui modos refinados é pessoa de cultura.
Na Grécia Antiga o termos cultura adquiriu uma significação toda especial, ligada à formação individual do homem. Correspondia a chamada paidéia, processo pelo qual o homem realizava sua verdadeira natureza desenvolvendo a filosofia (conhecimento de si e do mundo) e a consciência da vida em comunidade.
Em todas essas acepções de cultura podemos perceber uma idéia básica de desenvolvimento, formação e realização.
Usada por antropólogos e sociólogos, a palavra cultura passou a indicar o conjunto dos modos de vida criados e transmitidos de uma geração para outra, entre os membros de determinada sociedade. Nesse sentido, abrange conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras capacidades adquiridas socialmente pelos homens (Edward Tylor).
A cultura pode ser considerada, portanto, como amplo conjunto de conceitos, de símbolos, de valores e de atitudes que modelam uma sociedade. Ou seja, a cultura engloba o que pensamos, fazemos e temos enquanto membros de um grupo social.
Nesse sentido, o termo cultura é aplicável tanto a uma civilização tecnicamente evoluída (como a dos Estados Unidos) quanto às de forma rústicas (como, por exemplo, a dos caçadores africanos bosquímanos ou a dos nossos índios botocudos). Todas as sociedades humanas, da pré-história aos dias atuais, possuem uma cultura. E cada cultura tem seus próprios valores e sua verdade.
Podemos acrescentar, por fim (...) que cultura é a resposta oferecida pelos grupos humanos ao desafio da existência. Uma resposta manifesta em termos de conhecimento (logos), paixão (pathos) e comportamento (ethos). Isto é, em termos de razão, sentimento e ação.


4. Os elementos da cultura

Traços culturais: são os elementos mais simples da cultura. Eles são unidades de uma cultura. Por exemplo: uma idéia, uma crença, um carro, um lápis, um colar, uma pulseira. É necessário ressaltar que os traços culturais só têm significado se considerados dentro de uma cultura específica. Um colar pode ser um simples objeto de adorno para um determinado grupo e para outro ter significado mágico ou religioso.
Complexo cultural: é a combinação dos traços culturais em trono de uma atividade básica. Por exemplo, o carnaval no Brasil é um complexo cultural que reúne um grupo de traços culturais relacionados uns com os outros: carros alegóricos, música, dança, desfiles entre outros.
Padrão cultural: é uma norma de padrão estabelecida pela sociedade. Os indivíduos normalmente agem de acordo com os padrões estabelecidos pela sociedade em que vivem. No Brasil, por exemplo, o casamento monogâmico é um padrão de nossa cultura.
Subcultura: no interior de uma cultura podem aparecer diferenças significativas, caracterizando-se então uma subcultura. Pode-se falar, por exemplo, numa subcultura nordestina. Embora não sejam totalmente diferentes dos da cultura geral do Brasil, os costumes, os valores, o modo de ser dos nordestinos apresenta características próprias, que se distinguem das dos habitantes de outras regiões do país. Também os jovens apresentam costumes às vezes muito diferentes dos da população adulta; por isso, alguns autores falam de uma subcultura juvenil. Além desses, podemos citar outros grupos que expressem subculturas próprias: surfistas, punks, seitas religiosas, pichadores, determinados grupos profissionais, modelos, bandidos, toxicômanos, etc.
Contracultura: nas sociedades contemporâneas encontramos pessoas que contestam certos valores culturais vigentes, opondo-se radicalmente a eles, num movimento chamado de contracultura. Um exemplo disso é o movimento hippie que surgiu na década de 60. Esse grupo era crítico ferrenho da sociedade de consumo, mostrava seu descontentamento com uma atitude despojada, vestindo roupas surradas e nunca cortando o cabelo. Os hippies eram inimigos da guerra e da desumanização imposta pela sociedade industrial, proclamavam a necessidade de paz e amor. Viam a cultura da sociedade em que viviam como extremamente repressiva no campo sexual e nos costumes. Por isso pregavam o sexo e o amor livres e o uso de drogas alucinógenas. Muitos combatiam o individualismo presente na sociedade de massa e se dirigiam para o campo, onde viviam em comunidades. Lá todos trabalhavam e dividiam igualmente o fruto do trabalho coletivo.
Características da cultura
O professor Robert Braidwood, da Universidade de Chicago, procurou caracterizar no seguinte texto os principais elementos que definem a cultura:
• É adquirida pela aprendizagem, e não herdada pelos instintos.
• É transmitida de geração a geração, através da linguagem.
• É criação exclusiva dos seres humanos, sendo, portanto, um traço distintivo da humanidade.
• Inclui todas as criações materiais e não materiais dos homens,
• Apresenta estruturas duradouras, mas que também sofrem evolução através da história.
• É um instrumento indispensável à adaptação do indivíduo ao meio social, tornando possível a expressão das potencialidades humanas.


5. Dimensões da cultura

Ao analisar o “Renascimento”, movimento cultural surgido no Norte da Itália, nos séculos XIV e XV, percebemos que ele estava ligado a uma certa parcela da população da Europa – a “burguesia”.
A burguesia era formada por comerciantes que tinham como objetivo principal o lucro, através do comércio de especiarias vindas do Oriente. Esse segmento da sociedade conquistou não apenas novos espaços sociais e econômicos, mas também procurou resgatar ou fazer renascer antigos conhecimentos da cultura greco-romana. Daí o nome Renascimento.
A burguesia não só assimilou esses conhecimentos como, ainda, acrescentou outros, ampliando o seu universo cultural. Por exemplo, ao tentar reviver o teatro de Sófocles e Eurípedes (que viveram na Grécia antiga), os poetas italianos do século XVI substituíram a simples declamação pela recitação cantada dos textos, acompanhada por instrumentos musicais. Dessa forma, acabaram por criar um novo gênero – a “ópera”.
Desde a sua origem, a burguesia preocupou-se com a transmissão desse conhecimento a seus pares. A partir daí, então, foram surgindo instituições como as universidades, as academias e as ordens profissionais (advogados, médicos, engenheiros e outros). Com o passar dos séculos e com o processo de escolarização, a cultura dessa elite burguesa tomou corpo, desenvolveu-se com base em técnicas racionalizadas e científicas.
Essa cultura “erudita” ou “superior”, também designada cultura “de elite”, foi se distanciando da cultura da maioria da população, pois era feita pela e para a burguesia.
A cultura “popular”, por sua vez, mais próxima do senso comum e mais identificada com ele, é produzida e consumida pela própria população, sem necessitar de técnicas racionalizadas e científicas. É uma cultura em geral transmitida oralmente, registrando as tradições e os costumes de um determinado grupo social. Da mesma forma que a cultura erudita, a cultura popular alcança formas artísticas expressivas e significativas.
Toda cultura tem um aspecto material e outro não material.
A cultura material consiste em todo tipo de utensílios, ferramentas, instrumentos, máquinas etc. utilizados por um grupo social. Por exemplo, numa sociedade indígena o arco e a flecha, as ocas e os instrumentos de cozinha e na nossa sociedade o automóvel, as roupas, os talheres, etc.
A cultura não-material abrange todos os aspectos não materiais da sociedade, tais como: regras morais, religião, costumes, ideologia, ciências, artes, etc. Por exemplo, a maioria da população brasileira segue a religião católica, não há pena de morte de morte na legislação do Brasil, embora proibido por lei, o preconceito racial é bastante claro no país.
Existe, porém, uma interdependência entre a cultura material e a cultura não-material. Quando, por exemplo, assistimos à apresentação de uma orquestra, sabemos que as músicas apresentadas são produto da criatividade de um ou mais músicos. Entretanto, para comunicar sua criação aos outros, os artistas valem-se de instrumentos musicais.

Mulher Tapuia

CULTURA II - Textos

6. Indústria cultural e cultura de massa

(...) A partir da segunda revolução industrial no século XIX e prosseguindo no que se denomina agora sociedade pós-industrial ou pós-moderna (iniciada nos anos 70 de nosso século), as artes foram submetidas a uma nova servidão: as regras de mercado capitalista e a ideologia da indústria cultural, baseada na idéia e na prática do consumo de “produtos culturais” fabricados em série. As obras de arte são mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo.
Perdida a aura, a arte não democratizou, massificou-se para consumo rápido no mercado da moda e nos meios de comunicação de massa, transformando-se em propaganda e publicidade, sinal de status social, prestígio político e controle cultural.
Sob os efeitos da massificação da indústria e consumo culturais, as artes correm o risco de perder três de suas principais características:
1. de expressivas, tornarem-se reprodutivas e repetitivas;
2. de trabalho da criação, tornarem-se eventos para consumo;
3. de experimentação do novo,
4. tornarem-se consagração pela moda e pelo consumo.
A arte possui intrinsecamente valor de exposição ou exponibilidade, isto é, existe para ser contemplada e fruída. É essencialmente espetáculo, palavra que vem do latim e significa: dado à visibilidade. No entanto, sob o controle econômico e ideológico das empresas de produção artística, a arte se transformou em seu oposto: é um evento para tornar invisível a realidade e o próprio trabalho criador das obras. É algo para ser consumido e não para ser conhecido, fruído e superado por novas obras.
As obras de arte e de pensamento poderiam democratizar-se com os novos meios de comunicação, pois todos poderiam, em princípio, ter acesso a elas, conhecê-las, incorporá-las em suas vidas, criticá-las, e os artistas e pensadores poderiam superá-las em outras, novas.
A democratização da cultura tem como precondição a idéia de que os bens culturais são direito de todos e não privilégio de alguns. Democracia cultural significa direito de acesso e de fruição das obras culturais, direito à informação e à formação culturais, direito à produção cultural.
Ora, a indústria cultural acarreta o resultado oposto, ao massificar a Cultura. Por quê?
Em primeiro lugar porque separa os bens culturais pelo seu suposto valor de mercado: há obras “caras” e “raras”, destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e há obras “baratas” e “comuns”, destinadas à massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultura, a indústria cultural introduz a divisão social entre elite “culta” e massa “inculta”. O que é a massa? É um agregado sem forma, sem rosto, sem identidade, e sem pleno direito à Cultura.
Em segundo lugar, porque cria a ilusão de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais, cada um escolhendo livremente o que deseja, como o consumidor num supermercado. No entanto, basta darmos atenção aos horários dos programas de rádio e televisão ou ao que é vendido nas bancas de jornais e revistas para vermos que, através dos preços as empresas de divulgação cultural já selecionaram de antemão o que cada grupo social pode ou deve ouvir, ver ou ler.
No caso dos jornais e revistas, por exemplo, a qualidade do papel, a qualidade gráfica de letras e imagens, o tipo de manchete e de matéria publicada definem o consumidor e determinam o conteúdo daquilo a que terá acesso e tipo de informação que poderá receber. Se compararmos, numa manhã, cinco ou seis jornais, perceberemos que o mesmo mundo – este no qual todos vivemos – transforma-se em cinco ou seis mundos diferentes ou mesmo opostos, pois um mesmo acontecimento recebe cinco ou seis tratamentos diversos, em função do leitor que a empresa jornalística pretende atingir.
Em terceiro lugar, porque inventa uma figura chamada “espectador médio”, “ouvinte médio”, e “leitor médio”, aos quais são atribuídas certas capacidades mentais capacidades mentais “médias”, certos gostos “médios”, oferecendo-lhes produtos culturais “médios”. Que significa isso?
A indústria cultural vende Cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez. A “média” é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova.
Em quarto lugar, porque define a Cultura como Lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não tem interesse, não “vende”. Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a Cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos.

CHAUÍ, Marilena, Convite à Filosofia, Editora Ática, São Paulo, 1997.


7. Etnocentrismo e relativismo cultural

Até o início do século passado, cientistas sociais europeus afirmavam que a cultura eram criações conscientes e racionais que tinham como objetivo a melhoria da vida do homem. Para eles, algumas sociedades alcançaram um estágio muito superior às demais porque tinham conseguido criar artefatos mais sofisticados ou manifestações espirituais mais complexas. Para os defensores dessa posição, uma sociedade que conseguiu gerar manifestações artísticas como os quadros de Leonardo ou as obras literárias de Shakespeare deveria estar num estágio bem superior àquelas cujas manifestações artísticas não passavam de toscas esculturas em pedra ou argila. Chegavam mesmo a proclamar que tais diferenças culturais eram expressões da inteligência superior dos europeus.
No fundo, o que aqueles estudiosos estavam fazendo era estabelecer uma hierarquia entre as sociedades e colocando as sociedades urbanas industriais da Europa ocidental no cume da pirâmide. Para eles, todas as culturas deviam trilhar os mesmos caminhos. Aquelas que estivessem num estágio mais adiantado seriam superiores.
Nas ciências sociais, a visão que coloca uma cultura como superior e que deve servir de modelo para a evolução das demais é conhecida como etnocentrismo. A visão etnocêntrica trouxe trágicas conseqüências; muitas atrocidades contra os povos dos continentes americano, africano e asiático foram feitas em nome da suposta superioridade cultural dos europeus.
A crítica ao etnocentrismo começou a ser feita ainda no século XIX com o antropólogo alemão Franz Boas e continuou com Lévi-Strauss no nosso século. Eles defendiam que cada cultura deve ser analisada em função de seus próprios princípios, e as diferenças entre elas nada têm a ver com graus de inteligência. Portanto, não existem culturas superiores ou inferiores. Todas as culturas representam formas encontradas por uma determinada comunidade para resolver seus problemas. Assim, não faz sentido dizer que nossa sociedade é culturalmente superior à dos indígenas apenas porque conseguimos lançar foguetes ao espaço. Nas sociedades indígenas não há menores abandonados, famílias morrendo de fome convivendo com outras morrendo de tanto comer, nem prostituição.
A partir da crítica ao etnocentrismo surgiu uma corrente de pensamento denominada de relativismo cultural. Para essa corrente, os traços culturais de uma sociedade só podem ser entendidos de acordo com os padrões vigentes nessa mesma sociedade. Inexiste, portanto, a possibilidade de se comparar valorativamente duas culturas diferentes.


8. Cultura jovem

Com a explosão demográfica e a expansão econômica dos EUA, durante e após a Segunda Guerra Mundial, a população jovem norte-americana aumentou consideravelmente. Apesar do progresso e da industrialização, a sociedade norte-americana permaneceu com valores morais arcaicos e preconceituosos, criando um vazio e uma insatisfação na juventude, principalmente classe média.
É dentro desse contexto que surge uma cultura própria da juventude, reflexo de suas tendências comportamentais de revolta, expressa principalmente pela música, de forma individualizada ou em pequenos grupos. A partir daí começa a se configurar a formação de um mercado consumidor constituído basicamente por jovens de diferentes classes sociais.
Foi a partir dos anos 60 que a juventude passou a apresentar críticas mais contudentes à sociedade moderna, não só negando os seus valores, mas tentando criar e vivenciar um estilo de vida alternativo e coletivo, contra o consumismo, a industrialização indiscriminada, o preconceito racial, as guerras etc. Com isso, essa juventude mais crítica e politizada nega a cultura vigente, até então sustentada e manipulada em sua maior parte pela indústria cultural. Essa reação jovem é conhecida como “contracultura”, simbolizada principalmente pelos hippies, mas que para alguns voltaria a se repetir de maneira diferente com os punks no final dos anos 70.
Mesmo se opondo à industrialização da cultura, é através da indústria cultural que esses movimentos jovens acabam se expandindo e se deixando assimilar. Por um lado, introduzem temas e questões até então ignorados ou pouco discutidos pela maioria da sociedade, como, por exemplo: drogas, sexo, racismo, ecologia, pacifismo e outros. Por outro lado, evidenciam o aspecto transformador da cultura jovem que, expressando uma visão crítica da realidade, acaba por modificá-la, mesmo estando submetida a um rígido processo de industrialização e comercialização.

Antônio Carlos Brandão e Milton Fernandes Duarte, Movimentos culturais de juventude.


9. Aculturação

Trata-se de aculturação quando duas culturas distintas ou parecidas são absorvidas uma pela outra formando uma nova cultura diferente. Além disso, aculturação pode ser também a absorção de uma cultura pela outra, onde essa nova cultura terá aspectos da cultura inicial e da cultura absorvida.
Um exemplo típico desse fenômeno é a cultura romana que logo por ser tão similar à grega torna-se praticamente uma cultura denominada como cultura greco-romana. Esse tipo de fenômeno acontece graças à convivência com outras culturas.
Outro exemplo, os ameríndios, de um modo geral, assimilaram o cavalo no seu modo de vida; no entanto, os índios Soshone não os conseguem criar visto o seu território não proporcionar o pasto necessário.
A aculturação é, basicamente, o resultado das relações culturais que podem ser de ordem diversa:

Fusão Cultural
Ocorre quando os elementos culturais de duas ou mais culturas se misturam de tal modo que dão origem a outra cultura como aconteceu, por exemplo, no México: a cultura asteca nativa fundiu-se com a cultura espanhola invasora dando origem à atual cultura mexicana.


Segregação ou Apartheid (racial e cultural)
Este é o nome que se dá à recusa política de aculturação, provocando uma cisão entre cultura nativa e invasora. Se esta cisão for de natureza comercial chama-se autarcia.
Qualquer um destes fenômenos são absolutamente negativos, tentando deter, em vão, a dinâmica social.

Sincretismo
Ocorre quando se fundem características de divindades e/ou outros elementos religiosos de sistemas religiosos absolutamente diferentes, dando origem a divindades ou elementos novos.

Estas relações incluem, regra geral, a existência de agentes de aculturação tais como:

Atividade Missionária
Esta não se limita ao cristianismo, mas a todas as religiões estruturadas em igrejas, e que têm como objetivo mudar outras culturas nas suas vertentes religiosas, podendo incluir outros elementos culturais contrários aos seus princípios religiosos. Os missionários atuam diretamente sobre as pessoas, a título individual, e indiretamente sobre as instituições.

Comércio
Um dos veículos mais comuns e fomentador de trocas culturais é exatamente o comércio, sendo que a própria expansão territorial tem em vista alargar mercados comerciais, obter matérias-primas a baixo custo, etc.

Colonialismo
Trata-se do domínio de um povo ou região por um grupo de colonos, imigrantes. Este é um princípio muito semelhante ao Imperialismo, que implica também um domínio cultural e político diretamente imposto pelo país de origem dos colonos. Estes dois agentes de aculturação apóiam muitas vezes no extermínio e na assimilação (dos dominados pelos dominantes) para atingir um equilíbrio relativo.
O Colonialismo na forma de reservas é um modo das forças dominantes controlarem os nativos através de instituições político-administrativas impostas. São medidas polêmicas, pois, enquanto pretendem garantir território aos nativos e protegê-los, promovem o isolamento forçado, permitindo conter reações de descontentamento à sua situação por parte dos nativos, e o extermínio incontrolado destes.



Bibliografia básica sobre Cultura:

CHAUÍ, Marilena, Convite à Filosofia, Editora Ática, São Paulo, 1997.
FERREIRA, Roberto Martins. Sociologia da Educação/ São Paulo; Moderna, 1993.
OLIVEIRA, Pérsio Santos de, Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 9ª edição, 1994.
TOMAZI, Nelson Dacio (coord. et al.) Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993.