segunda-feira, 23 de novembro de 2009

TEXTOS SOBRE TRABALHO II

5. Trabalho alienado
O processo de alienação afeta milhões de trabalhadores nas sociedades capitalistas modernas, onde a produção econômica transformou-se no objetivo do homem, em vez de o homem ser o objetivo da produção.
Esse processo iniciou-se no século XIX, quando o trabalho na maioria das indústrias começou a tornar-se cada vez mais rotineiro, automatizado, e especializado ao ser subdividido em múltiplas operações. Visava-se com isso economizar tempo e aumentar a produtividade. Era a chamada organização científica do trabalho, desenvolvida pelo engenheiro e economista norte-americano Frederick Taylor (1856-1915), cujo método ficou conhecido como taylorismo. A principal consequência do taylorismo é que a fragmentação do trabalho conduz a uma fragmentação do saber, pois o trabalhador perde a noção de conjunto do processo produtivo. A situação desgastante de rotina e taylorização acaba com o envolvimento afetivo e intelectual que o trabalhador teria com seu trabalho e essa relação vai se tornando fria, monótona e apática.
Isso pode ser observado nas indústrias modernas, onde a missão do operário reduziu-se ao cumprimento de ordens relativas à qualidade e à quantidade da produção. Tudo transcorre sem que o operário tenha controle sobre o resultado final do seu trabalho, nem governo sobre a finalidade do que fabrica. Sempre repetindo as mesmas operações mecânicas, o trabalhador produz bens estranhos à sua pessoa, aos seus desejos e às suas necessidades.
Ao executar a rotina do trabalho alienado, o homem vai se transformando em escravo daquilo que cria por uma razão básica: ele geralmente não desfruta dos benefícios que resultaram da sua atividade profissional. O trabalho alienado produz para satisfazer as necessidades do mercado. Produz, por exemplo, coisas maravilhosas para os ricos, enquanto mantém o trabalhador na miséria. Produz palácios, enquanto o trabalhador mora em barracos. Produz “inteligência”, mas também estupidez e bitolamento para os trabalhadores.
Enfim, o trabalho alienado costuma ser marcado pela rotinização, pelo desprazer, pelo embrutecimento e pela exploração do trabalhador.
Primeiramente, o trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador não se realiza em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no local de trabalho com uma sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um sentimento de bloqueio de suas energias físicas e mentais que provocam cansaço físico e depressão. Nessa situação, o trabalhador só se sente feliz em seus dias de folga enquanto no trabalho permanece aborrecido. Seu trabalho não é voluntário, mas imposto e forçado.
O caráter alienado desse trabalho é facilmente testado pelo fato de ser evitado como uma praga, desde que não haja a imposição de cumpri-lo. Afinal, o trabalhado alienado é um trabalho de sacrifício, de mortificação. È um trabalho que não pertence ao trabalhador mas sim à outra pessoa que dirige a produção (MARX, Karl)


6. Valorizar ou abolir o trabalho?
Nos países de tecnologia avançada observa-se atualmente um declínio da ética do trabalho, isto é, uma perda de valor do trabalho dentro da vida das pessoas. Para o sociólogo alemão Claus Offe: Recentes tentativas de “remoralizar” o trabalho e tratá-lo como categoria central da existência humana devem, por conseguinte, ser consideradas um sintoma da crise, mais do que um cura.
Para entendermos o porquê dessa crise do trabalho, precisamos primeiramente analisar alguns de seus traços dominantes na sociedade contemporânea. O trabalho caracteriza-se em nossos dias como um atividade basicamente compulsória e heterônoma. Compulsória porque a pessoa trabalha não por um ato interior de vontade, mas pela obrigação de ganhar dinheiro para viver. Heterônoma porque a pessoa trabalha obedecendo a regras, horários, padrões e finalidades fixados pelo empregador.
Essas características conferem ao trabalho um poder de alienação do indivíduo. E por isso ele perde seu valor dentro da vida das pessoas. Será possível revalorizar o trabalho, superando o processo de alienação que ele desencadeia?
Para alguns, mais conformados com a situação dominante, é possível superar a alienação desde que o trabalhador, por uma atitude interior, isto é, consciente e voluntariamente, aceite tudo o que há de penoso e mortificante na monotonia cotidiana e reconheça a nobreza e o valor social de sua tarefa. É a “filosofia” do fazer coisas pequenas com alma grande. Se houver amor e compreensão social na realização da tarefa diária, haverá renovação naquele que faz e naquilo que é feito.
Para outros, mais críticos em relação à ordem estabelecida, o trabalho compulsório e heterônomo é essencialmente alienante. E pretender que o trabalhador ame esse trabalho é cair no paradoxo de pedir ao homem que ame o desumano, ao oprimido que aceite a opressão, a uma pessoa que concorde em despersonalizar-se. Por isso, a proposta dessa corrente não consiste em desalienar o trabalho, mas em aboli-lo, liberando o tempo dos indivíduos.
A libertação do tempo poderia ter como meta a criação de atividades voluntárias e autônomas. Elas seriam exercidas por pessoas que teriam o poder de decidir sobre suas próprias vidas, seus corpos e seus objetivos.


7. Uma promessa não cumprida - Menos trabalho, mas trabalho para todos
José Edmar de Queiroz - Sadi dal Rosso

As sociedades modernas nasceram assentadas numa ética do trabalho. Trabalhar era a atividade que garantia aos cidadãos direitos básicos e todas as garantias sociais estavam vinculadas a ela. Assim, o trabalhador teria direito às férias, aposentadoria, assistência médica e em alguns países, sociedades de bem-estar social, estas garantias atingiam também o seguro desemprego, médico em casa, licença maternidade etc. No Brasil, por exemplo, o título de trabalhador é tão importante que o fato de não “ter carteira assinada” foi durante muito tempo considerado pela polícia nas ruas como um sinal claro de “conduta suspeita”.
Hoje, a maioria das sociedades capitalistas vive um momento de desemprego, seja ele estrutural (devido a própria forma de organização da sociedade e a adoção de novas tecnologias), seja conjuntural (devido a crises econômicas por que passam algumas nações).
Para quem foi socializado numa cultura do trabalho, a vida de desempregado não é a solução para alienação no trabalho. O desemprego não acaba com a alienação, mas a aprofunda criando a dependência do Estado e a exclusão.
Enquanto a sociedade sem trabalho não vem, resta ao trabalhador desempregado a difícil tarefa de se preparar para as novas formas de organização do trabalho e ao empregado, lutar para manter o emprego. A estes sobra também possibilidade de lutar pela redução da jornada de trabalho, o que abriria novos postos e aumentaria o seu tempo livre.

A duração do trabalho aumenta, hoje, ao mesmo tempo em que o desemprego cresce. Na França, Alemanha, Itália, Inglaterra e Bélgica, os desempregados formam 12% da população economicamente ativa, na Espanha 24%, na Argentina 18%, nos Estados Unidos da América do Norte 6,1% , no Brasil 7%. Hoje, não há problema social que faça sombra ao desemprego. Desempregados e subempregados somam em torno de um bilhão de pessoas no mundo.
Que fazer num momento de grave desemprego? Que política adotar? Duas soluções apresentam-se de imediato: ou aumentar o emprego ou repartir o trabalho. Neste ensaio, limito-me ao último ponto.
Se existe falta de trabalho, codividi-lo é uma solução. A codivisão tem alguns supostos. Primeiro, que se preserve o valor do salário. O segundo implica em redução da jornada para todos os que trabalham. Posto de outra forma, diminuindo a duração do trabalho para todos é possível aumentar o emprego.
A bandeira da diminuição das horas de trabalho é um palavra de ordem do movimento sindical internacional em sua luta contra o desemprego. Porém, é preciso atentar para dois aspectos supostamente irrelevantes da questão. Primeiro, a diminuição da jornada provoca aumento de emprego, sim, mas sempre em uma proporção menor do que as horas diminuídas. Isto porque quando se vêem frente a frente com a redução da jornada, os empregadores reorganizam suas atividades de modo a conter gastos. Frequentemente, nesta reorganização, o patronato consegue repartir o trabalho entre os empregados já ocupados ou mesmo modernizar as estruturas de trabalho de modo a dispensar ainda mais mão-de-obra. Da reestruturação interna pode resultar somente intensificação do trabalho e não aumento do emprego. Esse efeito perverso ocorre em condições em que os assalariados não têm capacidade de resistência frente à reorganização das atividades.
Em segundo lugar, a redução da jornada representa uma força saudável à medida que diminui o trabalho para todos, criando a possibilidade para o exercício de outras atividades igualmente importantes mas não compelidas pelo aguilhão da necessidade. Se o trabalho diminui ininterruptamente, o combate ao desemprego também passa pela constante redução da jornada. Do contrário, em pouco tempo volta a se reinstalar o desemprego.
O desemprego hoje, além de ser resultado de um processo histórico de substituição incessante do trabalho humano pelo trabalho das máquinas, responde a uma conjuntura de baixíssimas taxas de crescimento econômico. Afora os casos de nações asiáticas, as demais nações capitalistas, até mesmo as lideranças mundiais- Estados Unidos, Japão e Alemanha – vêm produzindo irrisórias, quando não negativas, taxas de crescimento econômico. Diante da ausência do crescimento, não há saída para o desemprego senão a codivisão do trabalho.


8. Informacionismo: a sociedade interativa
Após a onda milenária da era rural, após a onda bem mais breve do maquinismo industrial, mil novos sintomas anunciam o advento de uma terceira onda, de uma era pós-industrial capaz de exaltar a dimensão criativa das atividades humanas, privilegiando mais a cultura do que a estrutura.
A nova estrutura social está associada ao surgimento de um novo modo de desenvolvimento pós-industrialismo – o informacionismo ou sociedade interativa – moldado pela reestruração do modo capitalista de produção do século XX. Houve substanciais mudanças das tecnologias mecânicas para as tecnologias de informação.
A teoria clássica do pós-industrialismo (também chamada de economia de serviços) combina três afirmações e previsões que devem ser diferenciadas analiticamente:
• A fonte de produtividade e crescimento reside na geração do conhecimento, estendida a todas as esferas da atividade econômica mediante o processamento da informação;
• A atividade econômica mudaria de produção de bens para a prestação de serviços. O fim do emprego rural seria seguido pelo declínio irreversível do emprego industrial em benefício do emprego de serviços que, em última análise, constituiria a maioria esmagadora de ofertas de emprego. Quanto mais avançada a economia, mais seu mercado e sua produção seriam concentradas em serviços;
• A nova economia aumentaria a importância das profissões com grande conteúdo de informações e conhecimentos em suas informações e conhecimentos em suas atividades. As profissões administrativas, especializadas e técnicas cresceriam mais rápido que qualquer outra e constituiriam o cerne da nova estrutura social.
A sociedade informacional ou sociedade interativa, diferentemente da rural e da industrial que a antecederam, se caracteriza por delegar progressivamente o trabalho à eletrônica e por um relacionamento cada vez mais desequilibrado entre o tempo de trabalho e tempo livre, pendendo a favor deste último.
A aventura da busca de trabalho terá maiores possibilidades de ser bem-sucedida quanto mais o eventual trabalhador for capaz de oferecer serviços de tipo intelectual, científico, artístico, adequados às necessidades cada vez mais mutáveis e personalizadas dos consumidores. O futuro pertencerá àqueles que forem capazes de usar a head muito mais do que as hands, isto é, pertencerá a quem se ocupar de análise de sistemas, de pesquisa, de psicologia, de marketing, de relações públicas, de tratamento de saúde, de educação de viagens, de jornalismo e de formação.
Seja nos serviços, seja na indústria, a transição da produção padronizada para a personalizada comporta uma demanda maior por skilled people, as pessoas que produzem idéias são cada vez em maior número que as pessoas que produzem coisas. A informação e o conhecimento oferecem muito mais oportunidades a os detém.
(adaptado de Alvin Toffler, in A terceira onda)


9. Automação e novas formas de organização
Elizabeth Karam

Mão-de-obra com pouca ou nenhuma qualificação está condenada hoje a viver de bicos ou subempregos.
Ela não preenche as qualificações mínimas exigidas pelos países ricos, onde o processo de automação está muito avançado, o trabalho é organizado sob novas formas e surge um novo tipo de trabalhador.
Essas exigências começam a chegar ao Brasil, em especial naquelas empresas que trabalham com tecnologia de ponta nos setores de informática, biotecnologia e robótica.
A indústria automobilística ou o metrô da França são exemplos de uma realidade do primeiro mundo, onde a automação reduz os cargos necessários ao processo de produção. Um chefe munido de computadores consegue controlar todo o processo que antes precisava de vários trabalhadores. Com isso, foram eliminados os escalões intermediários.
Essa é a realidade observada pelo sociólogo Michel Freyssenet, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França.
Nesse panorama, observa ele, ocorre um processo de requalificação – uma espécie de volta aos padrões de qualificação existentes antes da adoção do taylorismo como modelo de produção em massa do início da industrialização. No antigo sistema, era qualificado o trabalhador que executava um serviço desde o início até o produto final. Com o taylorismo, adotou-se o princípio básico de estabelecer uma separação entre concepção e execução no trabalho.
Em vez de um “gorila amestrado”, com capacidade suficiente para colocar o parafuso no lugar indicado, como requeria o início da industrialização, hoje se exige um trabalhador com conhecimento de todo o processo, consciente do produto final e capaz de identificar um possível erro. Esse é o novo perfil exigido nas indústria que estão na linha de ponta no uso da tecnologia na produção, segundo pesquisa feita por Roberto Leher, professor do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A antiga figura do torneiro mecânico sujo de graxa corresponde hoje a um operador de um asséptico microcomputador. Entre uma e outra imagem, mudam a organização e as relações de trabalho, acompanhando a evolução de uma atividade física e motora que agora exige um outro comportamento e a leitura de um novo código. A qualificação também se transforma.


10. O discurso liberal que coloca o trabalhador como responsável pelo desemprego
Mário Bispo dos Santos

O discurso das classes dominantes sempre procura individualizar as soluções para os problemas sociais, por isso é um discurso liberal. De acordo com esse discurso, o desemprego é um problema do trabalhador que não se adaptou ao perfil exigido pela nova forma de organização do trabalho, isto é, um trabalhador que não possui criatividade, visão de conjunto, capacidade de liderança, de abstração, domínio de conhecimentos científicos que fundamentam a produção.
Então, cabe ao trabalhador, individualmente, buscar uma melhoria da sua qualificação e assim aumentar sua capacidade de encontrar empregos, isto é, sua empregabilidade, visto que, hoje, não há mais postos fixos e definitivos no mercado de trabalho.
Na linha desse discurso, o desemprego não parece ter nenhuma relação com as políticas públicas desenvolvidas. Ao contrário, o governo com as privatizações e abertura econômica têm aumentado a entrada de recursos externos no país que a médio prazo significarão um montante maior de investimentos na produção e, conseqüentemente, um maior número de empregos. O governo tem também priorizado, por meio de reformas e investimentos, a educação. A melhoria da qualidade da educação é fator preponderante na solução do desemprego visto que ele tem como causa principal a formação profissional precária do trabalhador brasileiro.
Ademais, conforme Dejours, nos mais diversos países difunde-se a idéia de que vivemos em plena guerra econômica. Uma guerra por mercados, onde, a principal arma é a competitividade. Uma guerra que justifica a utilização no mundo do trabalho de métodos que ampliam a exclusão.

...Métodos cruéis contra nossos concidadãos, a fim de excluir os que não estão aptos a combater nessa guerra (os velhos que perderam a agilidade, os jovens mal preparados, os vacilantes...): estes são demitidos da empresa, ao passo que dos outros, dos que estão aptos para o combate, exigem-se desempenhos sempre superiores e termos de produtividade, de disponibilidade, de disciplina e de abnegação. Somente sobreviveremos, dizem-nos, se nos superarmos e nos tornarmos ainda mais eficazes que nossos concorrentes.

Nós estamos diante, portanto de um discurso liberal que naturaliza as relações sociais, individualiza as questões sociais e enfatiza a educação como promotora da competitividade. Então nos parece que a principal disputa não é em torno da imposição do modelo econômico neoliberal, ainda que processos como privatizações, reformas do Estado, flexibilização do trabalho, demissões atinjam as pessoas concretamente. A luta principal, “a mãe de todas as guerras”, é para impor um discurso. Um discurso em torno daquilo que concretamente as atinge as pessoas, como a falta de posto no mercado de trabalho. Um discurso que centra no indivíduo a responsabilidade pela sua posição social, empregado ou desempregado, competente ou incompetente.
Enfim um discurso que é eficiente na preservação da atual estrutura econômica na medida em que dificulta a organização conjunta dos trabalhadores. A situação do desemprego, por exemplo, conforme Nunes e Soria, caso ela seja vivenciada como decorrência de modelo econômico excludente, coloca-se a possibilidade de luta pela modificação do modelo. Porém, caso essa situação seja compreendida como resultado de uma falha do indivíduo, coloca-se um entrava à ação coletiva.
Ressalta-se que é um discurso contraditório, pois, propõe uma educação que forme trabalhadores criativos, críticos, participativos e ao mesmo tempo, adaptados, dóceis e submissos à lógica da empresa.
Talvez seja esse caráter contraditório, o espaço de luta, no qual, os movimentos sociais devam buscar meios para que as reformas tenham um caráter mais avançado do que o atual. Não podemos nos esquecer de que as reformas em curso estão fundamentadas em princípios pedagógicos, como interdisciplinaridade, contextualização, utilização de múltiplas tecnologias, trabalho com projetos que estão presentes em diversas propostas e experiências de cunho progressista.

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