segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Os 12 profetas

CULTURA - Textos

Um chinês louro, de olhos azuis
Clyde Kluckhohn.

Há alguns anos, conheci em Nova York um jovem que não falava uma palavra em inglês e estava evidentemente perplexo com os costumes americanos. Pelo “sangue”, era tão americano como qualquer outro, pois seus pais eram de Indiana e tinham ido para a China como missionários.
Órfão desde a infância, fora criado por uma família chinesa, numa aldeia perdida. Todos os que o conheceram o acharam mais chinês do que americano. O fato de ter olhos azuis e cabelos louros impressionava menos que o andar chinês, os movimentos chineses dos braços e das mãos, a expressão facial chinesa e os modos chineses de pensamento
A herança biológica era americana, mas a formação cultural fora chinesa. Ele voltou para a China.

1. O conceito antropológico de cultura
Marilena Chauí

Em termos antropológicos, podemos definir a cultura como tendo três sentidos principais:

1. Criação da ordem simbólica da lei, isto é, de sistemas de interdições e obrigações, estabelecidos a partir da atribuição de valores às coisas (boas, más, perigosas, sagradas, diabólicas), aos seres humanos e às suas relações (diferença sexual e proibição do incesto, virgindade, fertilidade, puro-impuro, virilidade: diferença etária e forma de tratamento dos mais velhos e dos mais jovens; diferença de autoridade e formas de relação de poder etc) e aos acontecimentos (significado das guerra, da peste, da fome, do nascimento, da morte, da obrigação de enterrar os mortos, proibição de ver o parto etc);

2. Criação de uma ordem simbólica da linguagem, do trabalho, do espaço do tempo, do sagrado e do profano, do invisível e do visível. Os símbolos surgem tanto para representar quanto para interpretar a realidade, dando-lhe sentido pela presença do humano no mundo;

3. Conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os homens se relacionam entre si e com a natureza e dela se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando. Esse conjunto funda a organização social, sua transformação e sua transmissão de geração em geração.


2. Cultura e identidade
Mário Bispo

Para a Antropologia, cultura é tudo aquilo que os homens produzem intencionalmente para sobreviver e satisfazer suas necessidades isto é: bens materiais, idéias, valores, linguagens, modos de pensar, sentir e agir.
Assim, afirmar que um povo não tem cultura ou que um indivíduo é inculto - por escutar música brega, assistir telenovelas e detestar teatro - é um erro do ponto de vista científico; confunde-se diferença cultural com sua inexistência. “O povo tem outras expressões culturais cujo ‘defeito’ é de não serem as mesmas da elite ou contrárias as da elite”. Foi justamente a elite que criou certas oposições de caráter pejorativo: cultura erudita x cultura popular, cultura primitiva x cultura civilizada.
Aliás, cabe lembrar que para a Sociologia, civilizar significa transformar, humanizar a natureza e assim, produzir a cultura. A civilização é o momento de elaboração das invenções e descobertas realizadas pelo homem para proteger sua vida, para torná-la mais independente das forças naturais.
No entanto, no contexto do imperialismo europeu, no século XVIII, civilizar passou a significar o enquadramento das culturas denominadas primitivas, a partir dos modelos culturais ditados por franceses, alemães e ingleses.
Para a Sociologia, a identidade é a fonte de significados e experiências de um povo, de uma nação, de uma etnia, de um grupo social. É um processo de construção de significado com base em um ou mais atributos culturais: a língua, os costumes, religião, as expressões artísticas como a dança e a música.
Por meio de um processo de comparação social, os indivíduos avaliam as características do grupo ou grupos a que pertencem. Nesse processo, eles procuram, comparando o seu grupo aos outros grupos, construir uma identidade social positiva. A comparação conduz ao favoritismo do próprio grupo e à discriminação dos outros grupos. Eis uma das causas dos conflitos étnicos, religiosos, raciais.
Todos nós estamos inseridos em diferentes grupos sociais. Como conseqüência, nós temos várias referencias para a formação de nossa identidade individual: família, raça, sexo, religião, idade, profissão, preferências musicais, etc. Para você, o que mais pesa na construção da sua identidade? A partir de quais atributos, as pessoas identificam você?
Nas comunidades antigas, a família era um desses fatores, por isso, a importância do sobrenome. Ele expressava uma profissão de um ancestral ou seu lugar de origem, seu território. Outros fatores importantes eram as músicas e danças. Elas contavam a história do povo.
Mas, com a globalização, há emergência de novas formas de identificação coletiva, as quais, por não mais se definirem em função de um pertencimento territorial, ou de uma tradição imemorial, mas em função de questões de relevância global.


3. A resposta dos índios

Certa vez, os governos dos estados da Virgínia e de Maryland, nos Estados Unidos, sugeriram aos índios que enviassem alguns de seus jovens para estudar nas escolas dos brancos. Na carta-resposta, os indígenas agradeciam, recusando. Eis um trecho da carta dos indígenas:
(...) Nós estamos convencidos, portanto, de que os senhores desejam o nosso bem e agradecemos de todo coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.
(...) Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo ou construir uma cabana, e falavam nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão concordamos que os nobres senhores de Virgínia nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles, homens. (citado por Carlos Rodrigues Brandão, O que é educação.)
Essa carta dos indígenas aos brancos mostra que não há um modelo único, uma forma única de educação. Mostra também que a cultura de uma sociedade é transmitida das gerações adultas às gerações mais jovens através da educação. Educar, pois, é transmitir aos indivíduos os valores, os conhecimentos e as técnicas, o modo de viver do grupo. Enfim, sua cultura.
A cultura é a “a vida total de um povo, a herança social que o indivíduo adquire de seu grupo. ou pode ser considerada a parte do ambiente que o próprio homem criou”.( Clyde Kluckhohn)
O antropólogo inglês Edward Tylor (1832-1917), definiu cultura como “todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.” Da definição de Tylor, que nega a base biológica da sociedade, provém a oposição entre natureza e cultura, com a supremacia da segunda sobre a primeira.
A aquisição e perpetuação da cultura é um processo social - e não biológico - resultante da aprendizagem. Cada sociedade transmite às novas gerações o patrimônio cultural que recebeu de seus antepassados. Por isso, a cultura é também chamada de herança social.
Cada povo tem uma cultura própria. Cada sociedade elabora sua própria cultura e recebe influência de outras culturas. Todas as sociedades, desde as mais simples até as mais complexas, possuem cultura. Não há sociedade sem cultura, do mesmo modo que não existe ser humano destituído de cultura. Desde que nasce, o homem é influenciado pelo meio social em que vive. A não ser o recém-nascido e os raros indivíduos que foram privados do convívio humano, não há pessoa desprovida de cultura. A cultura é um estilo de vida próprio, um modo de vida particular, que todas as sociedades possuem e que caracteriza cada uma delas.
A palavra cultura é utilizada em diversas situações com diferentes significados. Os biólogos se referem a criação de certos animais falando em cultura de germes, cultura de carpas etc.
Na linguagem cotidiana dizemos que um homem que freqüentou boas escolas, leu bons livros e possui modos refinados é pessoa de cultura.
Na Grécia Antiga o termos cultura adquiriu uma significação toda especial, ligada à formação individual do homem. Correspondia a chamada paidéia, processo pelo qual o homem realizava sua verdadeira natureza desenvolvendo a filosofia (conhecimento de si e do mundo) e a consciência da vida em comunidade.
Em todas essas acepções de cultura podemos perceber uma idéia básica de desenvolvimento, formação e realização.
Usada por antropólogos e sociólogos, a palavra cultura passou a indicar o conjunto dos modos de vida criados e transmitidos de uma geração para outra, entre os membros de determinada sociedade. Nesse sentido, abrange conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras capacidades adquiridas socialmente pelos homens (Edward Tylor).
A cultura pode ser considerada, portanto, como amplo conjunto de conceitos, de símbolos, de valores e de atitudes que modelam uma sociedade. Ou seja, a cultura engloba o que pensamos, fazemos e temos enquanto membros de um grupo social.
Nesse sentido, o termo cultura é aplicável tanto a uma civilização tecnicamente evoluída (como a dos Estados Unidos) quanto às de forma rústicas (como, por exemplo, a dos caçadores africanos bosquímanos ou a dos nossos índios botocudos). Todas as sociedades humanas, da pré-história aos dias atuais, possuem uma cultura. E cada cultura tem seus próprios valores e sua verdade.
Podemos acrescentar, por fim (...) que cultura é a resposta oferecida pelos grupos humanos ao desafio da existência. Uma resposta manifesta em termos de conhecimento (logos), paixão (pathos) e comportamento (ethos). Isto é, em termos de razão, sentimento e ação.


4. Os elementos da cultura

Traços culturais: são os elementos mais simples da cultura. Eles são unidades de uma cultura. Por exemplo: uma idéia, uma crença, um carro, um lápis, um colar, uma pulseira. É necessário ressaltar que os traços culturais só têm significado se considerados dentro de uma cultura específica. Um colar pode ser um simples objeto de adorno para um determinado grupo e para outro ter significado mágico ou religioso.
Complexo cultural: é a combinação dos traços culturais em trono de uma atividade básica. Por exemplo, o carnaval no Brasil é um complexo cultural que reúne um grupo de traços culturais relacionados uns com os outros: carros alegóricos, música, dança, desfiles entre outros.
Padrão cultural: é uma norma de padrão estabelecida pela sociedade. Os indivíduos normalmente agem de acordo com os padrões estabelecidos pela sociedade em que vivem. No Brasil, por exemplo, o casamento monogâmico é um padrão de nossa cultura.
Subcultura: no interior de uma cultura podem aparecer diferenças significativas, caracterizando-se então uma subcultura. Pode-se falar, por exemplo, numa subcultura nordestina. Embora não sejam totalmente diferentes dos da cultura geral do Brasil, os costumes, os valores, o modo de ser dos nordestinos apresenta características próprias, que se distinguem das dos habitantes de outras regiões do país. Também os jovens apresentam costumes às vezes muito diferentes dos da população adulta; por isso, alguns autores falam de uma subcultura juvenil. Além desses, podemos citar outros grupos que expressem subculturas próprias: surfistas, punks, seitas religiosas, pichadores, determinados grupos profissionais, modelos, bandidos, toxicômanos, etc.
Contracultura: nas sociedades contemporâneas encontramos pessoas que contestam certos valores culturais vigentes, opondo-se radicalmente a eles, num movimento chamado de contracultura. Um exemplo disso é o movimento hippie que surgiu na década de 60. Esse grupo era crítico ferrenho da sociedade de consumo, mostrava seu descontentamento com uma atitude despojada, vestindo roupas surradas e nunca cortando o cabelo. Os hippies eram inimigos da guerra e da desumanização imposta pela sociedade industrial, proclamavam a necessidade de paz e amor. Viam a cultura da sociedade em que viviam como extremamente repressiva no campo sexual e nos costumes. Por isso pregavam o sexo e o amor livres e o uso de drogas alucinógenas. Muitos combatiam o individualismo presente na sociedade de massa e se dirigiam para o campo, onde viviam em comunidades. Lá todos trabalhavam e dividiam igualmente o fruto do trabalho coletivo.
Características da cultura
O professor Robert Braidwood, da Universidade de Chicago, procurou caracterizar no seguinte texto os principais elementos que definem a cultura:
• É adquirida pela aprendizagem, e não herdada pelos instintos.
• É transmitida de geração a geração, através da linguagem.
• É criação exclusiva dos seres humanos, sendo, portanto, um traço distintivo da humanidade.
• Inclui todas as criações materiais e não materiais dos homens,
• Apresenta estruturas duradouras, mas que também sofrem evolução através da história.
• É um instrumento indispensável à adaptação do indivíduo ao meio social, tornando possível a expressão das potencialidades humanas.


5. Dimensões da cultura

Ao analisar o “Renascimento”, movimento cultural surgido no Norte da Itália, nos séculos XIV e XV, percebemos que ele estava ligado a uma certa parcela da população da Europa – a “burguesia”.
A burguesia era formada por comerciantes que tinham como objetivo principal o lucro, através do comércio de especiarias vindas do Oriente. Esse segmento da sociedade conquistou não apenas novos espaços sociais e econômicos, mas também procurou resgatar ou fazer renascer antigos conhecimentos da cultura greco-romana. Daí o nome Renascimento.
A burguesia não só assimilou esses conhecimentos como, ainda, acrescentou outros, ampliando o seu universo cultural. Por exemplo, ao tentar reviver o teatro de Sófocles e Eurípedes (que viveram na Grécia antiga), os poetas italianos do século XVI substituíram a simples declamação pela recitação cantada dos textos, acompanhada por instrumentos musicais. Dessa forma, acabaram por criar um novo gênero – a “ópera”.
Desde a sua origem, a burguesia preocupou-se com a transmissão desse conhecimento a seus pares. A partir daí, então, foram surgindo instituições como as universidades, as academias e as ordens profissionais (advogados, médicos, engenheiros e outros). Com o passar dos séculos e com o processo de escolarização, a cultura dessa elite burguesa tomou corpo, desenvolveu-se com base em técnicas racionalizadas e científicas.
Essa cultura “erudita” ou “superior”, também designada cultura “de elite”, foi se distanciando da cultura da maioria da população, pois era feita pela e para a burguesia.
A cultura “popular”, por sua vez, mais próxima do senso comum e mais identificada com ele, é produzida e consumida pela própria população, sem necessitar de técnicas racionalizadas e científicas. É uma cultura em geral transmitida oralmente, registrando as tradições e os costumes de um determinado grupo social. Da mesma forma que a cultura erudita, a cultura popular alcança formas artísticas expressivas e significativas.
Toda cultura tem um aspecto material e outro não material.
A cultura material consiste em todo tipo de utensílios, ferramentas, instrumentos, máquinas etc. utilizados por um grupo social. Por exemplo, numa sociedade indígena o arco e a flecha, as ocas e os instrumentos de cozinha e na nossa sociedade o automóvel, as roupas, os talheres, etc.
A cultura não-material abrange todos os aspectos não materiais da sociedade, tais como: regras morais, religião, costumes, ideologia, ciências, artes, etc. Por exemplo, a maioria da população brasileira segue a religião católica, não há pena de morte de morte na legislação do Brasil, embora proibido por lei, o preconceito racial é bastante claro no país.
Existe, porém, uma interdependência entre a cultura material e a cultura não-material. Quando, por exemplo, assistimos à apresentação de uma orquestra, sabemos que as músicas apresentadas são produto da criatividade de um ou mais músicos. Entretanto, para comunicar sua criação aos outros, os artistas valem-se de instrumentos musicais.

Mulher Tapuia

CULTURA II - Textos

6. Indústria cultural e cultura de massa

(...) A partir da segunda revolução industrial no século XIX e prosseguindo no que se denomina agora sociedade pós-industrial ou pós-moderna (iniciada nos anos 70 de nosso século), as artes foram submetidas a uma nova servidão: as regras de mercado capitalista e a ideologia da indústria cultural, baseada na idéia e na prática do consumo de “produtos culturais” fabricados em série. As obras de arte são mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo.
Perdida a aura, a arte não democratizou, massificou-se para consumo rápido no mercado da moda e nos meios de comunicação de massa, transformando-se em propaganda e publicidade, sinal de status social, prestígio político e controle cultural.
Sob os efeitos da massificação da indústria e consumo culturais, as artes correm o risco de perder três de suas principais características:
1. de expressivas, tornarem-se reprodutivas e repetitivas;
2. de trabalho da criação, tornarem-se eventos para consumo;
3. de experimentação do novo,
4. tornarem-se consagração pela moda e pelo consumo.
A arte possui intrinsecamente valor de exposição ou exponibilidade, isto é, existe para ser contemplada e fruída. É essencialmente espetáculo, palavra que vem do latim e significa: dado à visibilidade. No entanto, sob o controle econômico e ideológico das empresas de produção artística, a arte se transformou em seu oposto: é um evento para tornar invisível a realidade e o próprio trabalho criador das obras. É algo para ser consumido e não para ser conhecido, fruído e superado por novas obras.
As obras de arte e de pensamento poderiam democratizar-se com os novos meios de comunicação, pois todos poderiam, em princípio, ter acesso a elas, conhecê-las, incorporá-las em suas vidas, criticá-las, e os artistas e pensadores poderiam superá-las em outras, novas.
A democratização da cultura tem como precondição a idéia de que os bens culturais são direito de todos e não privilégio de alguns. Democracia cultural significa direito de acesso e de fruição das obras culturais, direito à informação e à formação culturais, direito à produção cultural.
Ora, a indústria cultural acarreta o resultado oposto, ao massificar a Cultura. Por quê?
Em primeiro lugar porque separa os bens culturais pelo seu suposto valor de mercado: há obras “caras” e “raras”, destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e há obras “baratas” e “comuns”, destinadas à massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultura, a indústria cultural introduz a divisão social entre elite “culta” e massa “inculta”. O que é a massa? É um agregado sem forma, sem rosto, sem identidade, e sem pleno direito à Cultura.
Em segundo lugar, porque cria a ilusão de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais, cada um escolhendo livremente o que deseja, como o consumidor num supermercado. No entanto, basta darmos atenção aos horários dos programas de rádio e televisão ou ao que é vendido nas bancas de jornais e revistas para vermos que, através dos preços as empresas de divulgação cultural já selecionaram de antemão o que cada grupo social pode ou deve ouvir, ver ou ler.
No caso dos jornais e revistas, por exemplo, a qualidade do papel, a qualidade gráfica de letras e imagens, o tipo de manchete e de matéria publicada definem o consumidor e determinam o conteúdo daquilo a que terá acesso e tipo de informação que poderá receber. Se compararmos, numa manhã, cinco ou seis jornais, perceberemos que o mesmo mundo – este no qual todos vivemos – transforma-se em cinco ou seis mundos diferentes ou mesmo opostos, pois um mesmo acontecimento recebe cinco ou seis tratamentos diversos, em função do leitor que a empresa jornalística pretende atingir.
Em terceiro lugar, porque inventa uma figura chamada “espectador médio”, “ouvinte médio”, e “leitor médio”, aos quais são atribuídas certas capacidades mentais capacidades mentais “médias”, certos gostos “médios”, oferecendo-lhes produtos culturais “médios”. Que significa isso?
A indústria cultural vende Cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez. A “média” é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova.
Em quarto lugar, porque define a Cultura como Lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não tem interesse, não “vende”. Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a Cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos.

CHAUÍ, Marilena, Convite à Filosofia, Editora Ática, São Paulo, 1997.


7. Etnocentrismo e relativismo cultural

Até o início do século passado, cientistas sociais europeus afirmavam que a cultura eram criações conscientes e racionais que tinham como objetivo a melhoria da vida do homem. Para eles, algumas sociedades alcançaram um estágio muito superior às demais porque tinham conseguido criar artefatos mais sofisticados ou manifestações espirituais mais complexas. Para os defensores dessa posição, uma sociedade que conseguiu gerar manifestações artísticas como os quadros de Leonardo ou as obras literárias de Shakespeare deveria estar num estágio bem superior àquelas cujas manifestações artísticas não passavam de toscas esculturas em pedra ou argila. Chegavam mesmo a proclamar que tais diferenças culturais eram expressões da inteligência superior dos europeus.
No fundo, o que aqueles estudiosos estavam fazendo era estabelecer uma hierarquia entre as sociedades e colocando as sociedades urbanas industriais da Europa ocidental no cume da pirâmide. Para eles, todas as culturas deviam trilhar os mesmos caminhos. Aquelas que estivessem num estágio mais adiantado seriam superiores.
Nas ciências sociais, a visão que coloca uma cultura como superior e que deve servir de modelo para a evolução das demais é conhecida como etnocentrismo. A visão etnocêntrica trouxe trágicas conseqüências; muitas atrocidades contra os povos dos continentes americano, africano e asiático foram feitas em nome da suposta superioridade cultural dos europeus.
A crítica ao etnocentrismo começou a ser feita ainda no século XIX com o antropólogo alemão Franz Boas e continuou com Lévi-Strauss no nosso século. Eles defendiam que cada cultura deve ser analisada em função de seus próprios princípios, e as diferenças entre elas nada têm a ver com graus de inteligência. Portanto, não existem culturas superiores ou inferiores. Todas as culturas representam formas encontradas por uma determinada comunidade para resolver seus problemas. Assim, não faz sentido dizer que nossa sociedade é culturalmente superior à dos indígenas apenas porque conseguimos lançar foguetes ao espaço. Nas sociedades indígenas não há menores abandonados, famílias morrendo de fome convivendo com outras morrendo de tanto comer, nem prostituição.
A partir da crítica ao etnocentrismo surgiu uma corrente de pensamento denominada de relativismo cultural. Para essa corrente, os traços culturais de uma sociedade só podem ser entendidos de acordo com os padrões vigentes nessa mesma sociedade. Inexiste, portanto, a possibilidade de se comparar valorativamente duas culturas diferentes.


8. Cultura jovem

Com a explosão demográfica e a expansão econômica dos EUA, durante e após a Segunda Guerra Mundial, a população jovem norte-americana aumentou consideravelmente. Apesar do progresso e da industrialização, a sociedade norte-americana permaneceu com valores morais arcaicos e preconceituosos, criando um vazio e uma insatisfação na juventude, principalmente classe média.
É dentro desse contexto que surge uma cultura própria da juventude, reflexo de suas tendências comportamentais de revolta, expressa principalmente pela música, de forma individualizada ou em pequenos grupos. A partir daí começa a se configurar a formação de um mercado consumidor constituído basicamente por jovens de diferentes classes sociais.
Foi a partir dos anos 60 que a juventude passou a apresentar críticas mais contudentes à sociedade moderna, não só negando os seus valores, mas tentando criar e vivenciar um estilo de vida alternativo e coletivo, contra o consumismo, a industrialização indiscriminada, o preconceito racial, as guerras etc. Com isso, essa juventude mais crítica e politizada nega a cultura vigente, até então sustentada e manipulada em sua maior parte pela indústria cultural. Essa reação jovem é conhecida como “contracultura”, simbolizada principalmente pelos hippies, mas que para alguns voltaria a se repetir de maneira diferente com os punks no final dos anos 70.
Mesmo se opondo à industrialização da cultura, é através da indústria cultural que esses movimentos jovens acabam se expandindo e se deixando assimilar. Por um lado, introduzem temas e questões até então ignorados ou pouco discutidos pela maioria da sociedade, como, por exemplo: drogas, sexo, racismo, ecologia, pacifismo e outros. Por outro lado, evidenciam o aspecto transformador da cultura jovem que, expressando uma visão crítica da realidade, acaba por modificá-la, mesmo estando submetida a um rígido processo de industrialização e comercialização.

Antônio Carlos Brandão e Milton Fernandes Duarte, Movimentos culturais de juventude.


9. Aculturação

Trata-se de aculturação quando duas culturas distintas ou parecidas são absorvidas uma pela outra formando uma nova cultura diferente. Além disso, aculturação pode ser também a absorção de uma cultura pela outra, onde essa nova cultura terá aspectos da cultura inicial e da cultura absorvida.
Um exemplo típico desse fenômeno é a cultura romana que logo por ser tão similar à grega torna-se praticamente uma cultura denominada como cultura greco-romana. Esse tipo de fenômeno acontece graças à convivência com outras culturas.
Outro exemplo, os ameríndios, de um modo geral, assimilaram o cavalo no seu modo de vida; no entanto, os índios Soshone não os conseguem criar visto o seu território não proporcionar o pasto necessário.
A aculturação é, basicamente, o resultado das relações culturais que podem ser de ordem diversa:

Fusão Cultural
Ocorre quando os elementos culturais de duas ou mais culturas se misturam de tal modo que dão origem a outra cultura como aconteceu, por exemplo, no México: a cultura asteca nativa fundiu-se com a cultura espanhola invasora dando origem à atual cultura mexicana.


Segregação ou Apartheid (racial e cultural)
Este é o nome que se dá à recusa política de aculturação, provocando uma cisão entre cultura nativa e invasora. Se esta cisão for de natureza comercial chama-se autarcia.
Qualquer um destes fenômenos são absolutamente negativos, tentando deter, em vão, a dinâmica social.

Sincretismo
Ocorre quando se fundem características de divindades e/ou outros elementos religiosos de sistemas religiosos absolutamente diferentes, dando origem a divindades ou elementos novos.

Estas relações incluem, regra geral, a existência de agentes de aculturação tais como:

Atividade Missionária
Esta não se limita ao cristianismo, mas a todas as religiões estruturadas em igrejas, e que têm como objetivo mudar outras culturas nas suas vertentes religiosas, podendo incluir outros elementos culturais contrários aos seus princípios religiosos. Os missionários atuam diretamente sobre as pessoas, a título individual, e indiretamente sobre as instituições.

Comércio
Um dos veículos mais comuns e fomentador de trocas culturais é exatamente o comércio, sendo que a própria expansão territorial tem em vista alargar mercados comerciais, obter matérias-primas a baixo custo, etc.

Colonialismo
Trata-se do domínio de um povo ou região por um grupo de colonos, imigrantes. Este é um princípio muito semelhante ao Imperialismo, que implica também um domínio cultural e político diretamente imposto pelo país de origem dos colonos. Estes dois agentes de aculturação apóiam muitas vezes no extermínio e na assimilação (dos dominados pelos dominantes) para atingir um equilíbrio relativo.
O Colonialismo na forma de reservas é um modo das forças dominantes controlarem os nativos através de instituições político-administrativas impostas. São medidas polêmicas, pois, enquanto pretendem garantir território aos nativos e protegê-los, promovem o isolamento forçado, permitindo conter reações de descontentamento à sua situação por parte dos nativos, e o extermínio incontrolado destes.



Bibliografia básica sobre Cultura:

CHAUÍ, Marilena, Convite à Filosofia, Editora Ática, São Paulo, 1997.
FERREIRA, Roberto Martins. Sociologia da Educação/ São Paulo; Moderna, 1993.
OLIVEIRA, Pérsio Santos de, Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 9ª edição, 1994.
TOMAZI, Nelson Dacio (coord. et al.) Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

REALISMO

TEXTOS SOBRE TRABALHO

1. O trabalho na sociedade primitiva
Quando se fala em sociedades tribais é necessário esclarecer que elas não são todas iguais, ao contrário, se diferenciam tanto n tempo quanto no espaço. Assim, falar dos bosquímanos australianos antes do contato como os europeus é bem diferente de falar deles atualmente, pois as condições em que vivem hoje não têm nenhuma semelhança com aquelas anteriormente ao contato.
As sociedades tribais distribuídas pelos mais diferentes pontos da Terra e com as mais diferentes estruturas sociais, políticas e econômicas possuíam, e algumas ainda possuem, uma organização do trabalho baseada na divisão por sexo, em que mulheres e homens desempenham tarefas e atividades diferentes. Também os seus equipamentos e instrumentos de trabalho são, aos olhos dos estrangeiros, muitos simples e rudimentares – ainda que se mostrem eficazes para o que deles se exige. Guiados por tal concepção muitos analistas, durante muito tempo, classificaram essas sociedades como de economia de subsistência e de técnica rudimentar, passando a idéia de que esses povos viveriam quase em estado de pobreza, com o mínimo necessário à sua sobrevivência. Pode-se verificar a seguir que isso não passa de um preconceito muito difundido.
Marshall Sahlins, antropólogo norte-americano, chama essas sociedades de “sociedades do lazer”, ou as primeiras “sociedades da abundância”, pois, ao analisá-las, percebeu não só que ela tinham todas as suas necessidades materiais e sociais plenamente satisfeitas como, e além disso, tinham um mínimo de horas de atividades diárias vinculadas a produção (cerca de três ou quatro horas e nem sempre todos os dias). Os yanomamis dedicavam pouco mais de três horas às atividades produtivas diárias; os guayakis, cerca de cinco horas, mas não todos os dias.
O fato de se dedicar menos tempo às tarefas vinculadas à produção não significa, por outro lado, que se tenha uma vida de privações. Ao contrario, essas sociedades viviam muito bem alimentadas e isso fica comprovado nos relatos os mais diversos, que sempre demonstram a vitalidade de todos os seus membros. É claro que tais relatos referem-se à experiência que viviam antes do contato com o chamado “mundo civilizado”.
A explicação pra o fato de trabalharem muito menos que nós está no modo como se relacionam com a natureza, muito diferente do que temos. A terra é, além do lugar onde se vive, um valor cultural, pois é ela que dá aos homens os seus frutos, a floresta presenteia os caçadores com os animais de que necessitam para a sobrevivência. Não são os homens que produzem e caçam, pois eles simplesmente recebem o que necessitam da “mãe natureza”. Por outro lado, há um profundo conhecimento do meio em que vivem, o que faz com que conheçam as plantas, os animais, a forma como crescem e se reproduzem, o que é bom e o que é ruim para se alimentarem e quando podem utilizar certas plantas e determinados animais para sua alimentação, para cura ou para ritos.
O “mundo do trabalho” entre as sociedades tribais é, pois, algo que tem relação com todos os outros elementos de suas sociedades e com todo o meio ambiente em que vivem. Desse modo, nelas não vamos encontrar riquezas. A sua riqueza está na vida e na forma como passam os dias. As atividades vinculadas à produção limitam-se a conseguir os meios necessários à sobrevivência, mesmo assim são quase sempre desenvolvidas em conjunto com outras atividades. Enfim, há um continuo de atividades interligadas, que dificilmente podem ser explicadas e entendidas separadamente.
Quando os machados de pedra foram substituídos por ferramentas de ferro, entre os sianes da Nova Guiné, o que permitia diminuir o tempo de trabalho necessário para conseguir os alimentos indispensáveis à subsistência, eles não se preocuparam em produzir mais, mas simplesmente passaram a utilizar aquele tempo de que dispunham para se divertir e descansar, ou para outras atividades que lhes proporcionavam mais prazer.

2. O trabalho na sociedade Greco-romana
Os gregos faziam uma distinção clara entre o trabalho braçal de quem labuta na terra, o trabalho manual do artesão e aquela atividade do cidadão que discute e procura, através do debate resolver os problemas da sociedade. Conforme Hanna Arendt, pensadora alemã, os gregos possuíam três concepções para a idéia de trabalho: labor, poiesis, e práxis.
Por labor se entendia o esforço físico voltado para a sobrevivência do corpo, sendo, portanto, uma atividade passiva e submissa ao ritmo da natureza; o exemplo mais claro dessa atividade é o trabalho de quem cultiva a terra, pois ele depende sempre das variações do clima, das estações, ou seja, de forças que o homem não pode controlar. A mesma expressão é utilizada pra o momento em a mulher está em trabalho de parto.
Em poiesis a ênfase recai sobre o fazer. O ato de fabricar, de criar alguma coisa ou produto através do uso de algum instrumento ou mesmo das próprias mãos. O produto desse trabalho muitas vezes subsiste à vida de quem o fabrica, em um tempo de permanência maior que o de seu produtor. O trabalho do artesão, do escultor se enquadraria nessa concepção.
Práxis, por sua vez, é aquela atividade que tem a palavra como sue principal instrumento, isto é, que utiliza o discurso como um meio para encontrar soluções voltadas para o bem-estar dos cidadãos. É o espaço da política, da vida totalmente livre, uma vez que só se utilizamos objetos e as coisas produzidas pelos outros. A maior virtude consiste em utilizar bem as coisas, sem ter que transformá-las através do trabalho (no caso, através do labor ou da poiesis).
Nessas sociedades, o escravo é propriedade de seu senhor e, portanto pode ser vendido, doado, alugado; não só ele, mas todos os seus filhos e todos os bens que porventura possam ter. para os romanos ele era uma coisa (res), mas também uma pessoa, o que podia trazer alguns problemas. Assim, se um escravo cometesse algum crime, quem era responsabilizado era seu amo, por outro lado, se um escravo sofresse alguma ação que o prejudicasse para o trabalho, o seu senhor poderia se indenizado.
É importante deixar claro que havia uma classe de ricos e notáveis senhores que viviam de rendas e eram desobrigados de qualquer atividade que não fosse a arte de discutir assuntos da cidade e o bem-estar dos cidadãos. Por isso é que a escravidão nessas sociedades é fundamental, pois era o trabalho escravo que dava suporte material para que os cidadãos não precisassem viver do suor de seu rosto.

3. O trabalho na sociedade feudal
A propriedade feudal era constituída, no mínimo, de uma aldeia, das terras dos camponeses, das pastagens comuns, da igreja, da casa paroquial, das terras pertencentes a ela, da casa do senhor, que possuía o moinho o forno e o celeiro, bem como as melhores terras da propriedade. A produção nesse sistema tinha como base o trabalho na terra e esta se subdividia, basicamente, em três partes: uma para a plantação de outono, outra para a de primavera e uma outra para o pousio, isto é, uma porção, ou gleba de terra que ficava descansando, sem plantação. Dessa maneira, anualmente se fazia um rodízio entre as diversas glebas de terra, de tal maneira que sempre uma delas descansava enquanto as outras estavam produzindo de modo intercalar, ora com a plantação de outono, ora com a plantação de primavera.
Essa organização espacial de alguma forma já definida e ordenava o trabalho no interior da propriedade feudal. Os servos além de trabalharem em suas terras, eram também obrigados a trabalhar nas terras do senhor, bem como na construção e manutenção de estradas e pontes. Esta obrigação se chamava corvéia. Entretanto, havia uma série de outras obrigações que os servos deviam aos senhores, como, por exemplo, um imposto que se pagava por uma pessoa e atingia unicamente os servos. O censo era um outro imposto, mas esse era pago somente elos homens livres (camponeses e aldeãos). A talha era uma taxa que se pagava sobre tudo o que se produzia na terra e atingia todas as categorias dependentes. As banalidades consistiam em outra obrigação devida ao senhor e eram pagas pelos servos e camponeses, pelo uso do moinho, do forno dos tonéis de cerveja e pelo dato de, simplesmente, residirem na aldeia.
Como se pode perceber, eram os servos, os camponeses livres, os aldeãos, ou seja, as classes servis quem efetivamente trabalhava nessa sociedade. Os senhores feudais e o clero viviam, pois, do trabalho dos outros. Algo parecido com o que aconteci na sociedade Greco-romana.
Apesar de que o trabalho vinculado à terra ser o preponderante na sociedade feudal, isso não significa que outras formas de trabalho não existissem. Atividades artesanais nas cidades ou mesmo dentro do feudo e atividades comerciais nas cidades completam as outras formas de trabalho.
Segundo a concepção feudal, com base na Igreja Católica, o trabalho era uma verdadeira maldição e deveria acontecer somente na quantidade necessária à sobrevivência, não tendo nenhum valor em si mesmo. Como era a salvação individual o que importava, o trabalho era desqualificado, uma vez que não permitia a quem o executava uma constante meditação e contemplação – a forma de se chegar mais perto de Deus e, portanto, da salvação.

4. Trabalho, realização e alienação
Podemos definir trabalho como toda atividade pela qual o ser humano utiliza sua energia física e psíquica para satisfazer suas necessidades ou para atingir um determinado fim.
Por intermédio do trabalho, o homem acrescenta um “mundo novo” (a cultura) ao mundo natural já existente. O trabalho é, portanto, elemento essencial da relação dialética entre o homem e a natureza, entre o saber e o fazer, entre a teoria e a prática.
Nesse sentido, o trabalho é uma atividade tipicamente humana, porque implica a existência de um projeto mental que determina a ação a ser desenvolvida para se alcançar o objetivo almejado.
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a construção das colméias pelas abelhas atinge tal perfeição que envergonha muitos arquitetos. Mas o que distingue o pior dos arquitetos da melhor das abelhas é que ele projeta mentalmente a construção antes de realizá-la.(MARX, Karl)
Quando pensamos sobre o papel do trabalho em seu aspecto individual, verificamos que ele permite ao homem expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades. Pelo trabalho o homem é capaz de moldar e mudar a natureza e, ao mesmo tempo, alterar a si próprio. Ou seja, trabalhando o homem pode modificar o mundo e a si mesmo, produzir cultura e se autoproduzir.
Em seu aspecto social, isto é, como esforço conjunto dos membros de uma comunidade, o trabalho tem como objetivo último a manutenção da vida e o desenvolvimento da sociedade.
Assim, dentro dessa visão positiva e ideal, podemos concluir que o trabalho tem a função de promover a realização do indivíduo, a edificação da cultura e a solidariedade entre os homens.
Ocorre que, de categoria central da existência humana, o trabalho estaria perdendo seu poder irradiador de vida. Como isto aconteceu?
Ao longo da história, com o aparecimento da dominação de uma classe social sobre a outra, o trabalho foi desvirtuado de sua função positiva. Em vez de servir ao progresso de todos passou a ser utilizado para o enriquecimento de alguns. De ato de criação virou rotina de reprodução. De recompensa pela liberdade se transformou em castigo. Enfim, em vez de ato de realização, foi transformado em instrumento de alienação.
É interessante ressaltar que, Etimologicamente, o termo trabalho vem do latim tripalium, um instrumento de tortura feito de três paus. Na verdade, não há exagero em afirmar que, mesmo nos dias de hoje, o trabalho ainda é utilizado como instrumento de torturar e triturar o trabalhador.

PORTINARI

TEXTOS SOBRE TRABALHO II

5. Trabalho alienado
O processo de alienação afeta milhões de trabalhadores nas sociedades capitalistas modernas, onde a produção econômica transformou-se no objetivo do homem, em vez de o homem ser o objetivo da produção.
Esse processo iniciou-se no século XIX, quando o trabalho na maioria das indústrias começou a tornar-se cada vez mais rotineiro, automatizado, e especializado ao ser subdividido em múltiplas operações. Visava-se com isso economizar tempo e aumentar a produtividade. Era a chamada organização científica do trabalho, desenvolvida pelo engenheiro e economista norte-americano Frederick Taylor (1856-1915), cujo método ficou conhecido como taylorismo. A principal consequência do taylorismo é que a fragmentação do trabalho conduz a uma fragmentação do saber, pois o trabalhador perde a noção de conjunto do processo produtivo. A situação desgastante de rotina e taylorização acaba com o envolvimento afetivo e intelectual que o trabalhador teria com seu trabalho e essa relação vai se tornando fria, monótona e apática.
Isso pode ser observado nas indústrias modernas, onde a missão do operário reduziu-se ao cumprimento de ordens relativas à qualidade e à quantidade da produção. Tudo transcorre sem que o operário tenha controle sobre o resultado final do seu trabalho, nem governo sobre a finalidade do que fabrica. Sempre repetindo as mesmas operações mecânicas, o trabalhador produz bens estranhos à sua pessoa, aos seus desejos e às suas necessidades.
Ao executar a rotina do trabalho alienado, o homem vai se transformando em escravo daquilo que cria por uma razão básica: ele geralmente não desfruta dos benefícios que resultaram da sua atividade profissional. O trabalho alienado produz para satisfazer as necessidades do mercado. Produz, por exemplo, coisas maravilhosas para os ricos, enquanto mantém o trabalhador na miséria. Produz palácios, enquanto o trabalhador mora em barracos. Produz “inteligência”, mas também estupidez e bitolamento para os trabalhadores.
Enfim, o trabalho alienado costuma ser marcado pela rotinização, pelo desprazer, pelo embrutecimento e pela exploração do trabalhador.
Primeiramente, o trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador não se realiza em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no local de trabalho com uma sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um sentimento de bloqueio de suas energias físicas e mentais que provocam cansaço físico e depressão. Nessa situação, o trabalhador só se sente feliz em seus dias de folga enquanto no trabalho permanece aborrecido. Seu trabalho não é voluntário, mas imposto e forçado.
O caráter alienado desse trabalho é facilmente testado pelo fato de ser evitado como uma praga, desde que não haja a imposição de cumpri-lo. Afinal, o trabalhado alienado é um trabalho de sacrifício, de mortificação. È um trabalho que não pertence ao trabalhador mas sim à outra pessoa que dirige a produção (MARX, Karl)


6. Valorizar ou abolir o trabalho?
Nos países de tecnologia avançada observa-se atualmente um declínio da ética do trabalho, isto é, uma perda de valor do trabalho dentro da vida das pessoas. Para o sociólogo alemão Claus Offe: Recentes tentativas de “remoralizar” o trabalho e tratá-lo como categoria central da existência humana devem, por conseguinte, ser consideradas um sintoma da crise, mais do que um cura.
Para entendermos o porquê dessa crise do trabalho, precisamos primeiramente analisar alguns de seus traços dominantes na sociedade contemporânea. O trabalho caracteriza-se em nossos dias como um atividade basicamente compulsória e heterônoma. Compulsória porque a pessoa trabalha não por um ato interior de vontade, mas pela obrigação de ganhar dinheiro para viver. Heterônoma porque a pessoa trabalha obedecendo a regras, horários, padrões e finalidades fixados pelo empregador.
Essas características conferem ao trabalho um poder de alienação do indivíduo. E por isso ele perde seu valor dentro da vida das pessoas. Será possível revalorizar o trabalho, superando o processo de alienação que ele desencadeia?
Para alguns, mais conformados com a situação dominante, é possível superar a alienação desde que o trabalhador, por uma atitude interior, isto é, consciente e voluntariamente, aceite tudo o que há de penoso e mortificante na monotonia cotidiana e reconheça a nobreza e o valor social de sua tarefa. É a “filosofia” do fazer coisas pequenas com alma grande. Se houver amor e compreensão social na realização da tarefa diária, haverá renovação naquele que faz e naquilo que é feito.
Para outros, mais críticos em relação à ordem estabelecida, o trabalho compulsório e heterônomo é essencialmente alienante. E pretender que o trabalhador ame esse trabalho é cair no paradoxo de pedir ao homem que ame o desumano, ao oprimido que aceite a opressão, a uma pessoa que concorde em despersonalizar-se. Por isso, a proposta dessa corrente não consiste em desalienar o trabalho, mas em aboli-lo, liberando o tempo dos indivíduos.
A libertação do tempo poderia ter como meta a criação de atividades voluntárias e autônomas. Elas seriam exercidas por pessoas que teriam o poder de decidir sobre suas próprias vidas, seus corpos e seus objetivos.


7. Uma promessa não cumprida - Menos trabalho, mas trabalho para todos
José Edmar de Queiroz - Sadi dal Rosso

As sociedades modernas nasceram assentadas numa ética do trabalho. Trabalhar era a atividade que garantia aos cidadãos direitos básicos e todas as garantias sociais estavam vinculadas a ela. Assim, o trabalhador teria direito às férias, aposentadoria, assistência médica e em alguns países, sociedades de bem-estar social, estas garantias atingiam também o seguro desemprego, médico em casa, licença maternidade etc. No Brasil, por exemplo, o título de trabalhador é tão importante que o fato de não “ter carteira assinada” foi durante muito tempo considerado pela polícia nas ruas como um sinal claro de “conduta suspeita”.
Hoje, a maioria das sociedades capitalistas vive um momento de desemprego, seja ele estrutural (devido a própria forma de organização da sociedade e a adoção de novas tecnologias), seja conjuntural (devido a crises econômicas por que passam algumas nações).
Para quem foi socializado numa cultura do trabalho, a vida de desempregado não é a solução para alienação no trabalho. O desemprego não acaba com a alienação, mas a aprofunda criando a dependência do Estado e a exclusão.
Enquanto a sociedade sem trabalho não vem, resta ao trabalhador desempregado a difícil tarefa de se preparar para as novas formas de organização do trabalho e ao empregado, lutar para manter o emprego. A estes sobra também possibilidade de lutar pela redução da jornada de trabalho, o que abriria novos postos e aumentaria o seu tempo livre.

A duração do trabalho aumenta, hoje, ao mesmo tempo em que o desemprego cresce. Na França, Alemanha, Itália, Inglaterra e Bélgica, os desempregados formam 12% da população economicamente ativa, na Espanha 24%, na Argentina 18%, nos Estados Unidos da América do Norte 6,1% , no Brasil 7%. Hoje, não há problema social que faça sombra ao desemprego. Desempregados e subempregados somam em torno de um bilhão de pessoas no mundo.
Que fazer num momento de grave desemprego? Que política adotar? Duas soluções apresentam-se de imediato: ou aumentar o emprego ou repartir o trabalho. Neste ensaio, limito-me ao último ponto.
Se existe falta de trabalho, codividi-lo é uma solução. A codivisão tem alguns supostos. Primeiro, que se preserve o valor do salário. O segundo implica em redução da jornada para todos os que trabalham. Posto de outra forma, diminuindo a duração do trabalho para todos é possível aumentar o emprego.
A bandeira da diminuição das horas de trabalho é um palavra de ordem do movimento sindical internacional em sua luta contra o desemprego. Porém, é preciso atentar para dois aspectos supostamente irrelevantes da questão. Primeiro, a diminuição da jornada provoca aumento de emprego, sim, mas sempre em uma proporção menor do que as horas diminuídas. Isto porque quando se vêem frente a frente com a redução da jornada, os empregadores reorganizam suas atividades de modo a conter gastos. Frequentemente, nesta reorganização, o patronato consegue repartir o trabalho entre os empregados já ocupados ou mesmo modernizar as estruturas de trabalho de modo a dispensar ainda mais mão-de-obra. Da reestruturação interna pode resultar somente intensificação do trabalho e não aumento do emprego. Esse efeito perverso ocorre em condições em que os assalariados não têm capacidade de resistência frente à reorganização das atividades.
Em segundo lugar, a redução da jornada representa uma força saudável à medida que diminui o trabalho para todos, criando a possibilidade para o exercício de outras atividades igualmente importantes mas não compelidas pelo aguilhão da necessidade. Se o trabalho diminui ininterruptamente, o combate ao desemprego também passa pela constante redução da jornada. Do contrário, em pouco tempo volta a se reinstalar o desemprego.
O desemprego hoje, além de ser resultado de um processo histórico de substituição incessante do trabalho humano pelo trabalho das máquinas, responde a uma conjuntura de baixíssimas taxas de crescimento econômico. Afora os casos de nações asiáticas, as demais nações capitalistas, até mesmo as lideranças mundiais- Estados Unidos, Japão e Alemanha – vêm produzindo irrisórias, quando não negativas, taxas de crescimento econômico. Diante da ausência do crescimento, não há saída para o desemprego senão a codivisão do trabalho.


8. Informacionismo: a sociedade interativa
Após a onda milenária da era rural, após a onda bem mais breve do maquinismo industrial, mil novos sintomas anunciam o advento de uma terceira onda, de uma era pós-industrial capaz de exaltar a dimensão criativa das atividades humanas, privilegiando mais a cultura do que a estrutura.
A nova estrutura social está associada ao surgimento de um novo modo de desenvolvimento pós-industrialismo – o informacionismo ou sociedade interativa – moldado pela reestruração do modo capitalista de produção do século XX. Houve substanciais mudanças das tecnologias mecânicas para as tecnologias de informação.
A teoria clássica do pós-industrialismo (também chamada de economia de serviços) combina três afirmações e previsões que devem ser diferenciadas analiticamente:
• A fonte de produtividade e crescimento reside na geração do conhecimento, estendida a todas as esferas da atividade econômica mediante o processamento da informação;
• A atividade econômica mudaria de produção de bens para a prestação de serviços. O fim do emprego rural seria seguido pelo declínio irreversível do emprego industrial em benefício do emprego de serviços que, em última análise, constituiria a maioria esmagadora de ofertas de emprego. Quanto mais avançada a economia, mais seu mercado e sua produção seriam concentradas em serviços;
• A nova economia aumentaria a importância das profissões com grande conteúdo de informações e conhecimentos em suas informações e conhecimentos em suas atividades. As profissões administrativas, especializadas e técnicas cresceriam mais rápido que qualquer outra e constituiriam o cerne da nova estrutura social.
A sociedade informacional ou sociedade interativa, diferentemente da rural e da industrial que a antecederam, se caracteriza por delegar progressivamente o trabalho à eletrônica e por um relacionamento cada vez mais desequilibrado entre o tempo de trabalho e tempo livre, pendendo a favor deste último.
A aventura da busca de trabalho terá maiores possibilidades de ser bem-sucedida quanto mais o eventual trabalhador for capaz de oferecer serviços de tipo intelectual, científico, artístico, adequados às necessidades cada vez mais mutáveis e personalizadas dos consumidores. O futuro pertencerá àqueles que forem capazes de usar a head muito mais do que as hands, isto é, pertencerá a quem se ocupar de análise de sistemas, de pesquisa, de psicologia, de marketing, de relações públicas, de tratamento de saúde, de educação de viagens, de jornalismo e de formação.
Seja nos serviços, seja na indústria, a transição da produção padronizada para a personalizada comporta uma demanda maior por skilled people, as pessoas que produzem idéias são cada vez em maior número que as pessoas que produzem coisas. A informação e o conhecimento oferecem muito mais oportunidades a os detém.
(adaptado de Alvin Toffler, in A terceira onda)


9. Automação e novas formas de organização
Elizabeth Karam

Mão-de-obra com pouca ou nenhuma qualificação está condenada hoje a viver de bicos ou subempregos.
Ela não preenche as qualificações mínimas exigidas pelos países ricos, onde o processo de automação está muito avançado, o trabalho é organizado sob novas formas e surge um novo tipo de trabalhador.
Essas exigências começam a chegar ao Brasil, em especial naquelas empresas que trabalham com tecnologia de ponta nos setores de informática, biotecnologia e robótica.
A indústria automobilística ou o metrô da França são exemplos de uma realidade do primeiro mundo, onde a automação reduz os cargos necessários ao processo de produção. Um chefe munido de computadores consegue controlar todo o processo que antes precisava de vários trabalhadores. Com isso, foram eliminados os escalões intermediários.
Essa é a realidade observada pelo sociólogo Michel Freyssenet, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França.
Nesse panorama, observa ele, ocorre um processo de requalificação – uma espécie de volta aos padrões de qualificação existentes antes da adoção do taylorismo como modelo de produção em massa do início da industrialização. No antigo sistema, era qualificado o trabalhador que executava um serviço desde o início até o produto final. Com o taylorismo, adotou-se o princípio básico de estabelecer uma separação entre concepção e execução no trabalho.
Em vez de um “gorila amestrado”, com capacidade suficiente para colocar o parafuso no lugar indicado, como requeria o início da industrialização, hoje se exige um trabalhador com conhecimento de todo o processo, consciente do produto final e capaz de identificar um possível erro. Esse é o novo perfil exigido nas indústria que estão na linha de ponta no uso da tecnologia na produção, segundo pesquisa feita por Roberto Leher, professor do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A antiga figura do torneiro mecânico sujo de graxa corresponde hoje a um operador de um asséptico microcomputador. Entre uma e outra imagem, mudam a organização e as relações de trabalho, acompanhando a evolução de uma atividade física e motora que agora exige um outro comportamento e a leitura de um novo código. A qualificação também se transforma.


10. O discurso liberal que coloca o trabalhador como responsável pelo desemprego
Mário Bispo dos Santos

O discurso das classes dominantes sempre procura individualizar as soluções para os problemas sociais, por isso é um discurso liberal. De acordo com esse discurso, o desemprego é um problema do trabalhador que não se adaptou ao perfil exigido pela nova forma de organização do trabalho, isto é, um trabalhador que não possui criatividade, visão de conjunto, capacidade de liderança, de abstração, domínio de conhecimentos científicos que fundamentam a produção.
Então, cabe ao trabalhador, individualmente, buscar uma melhoria da sua qualificação e assim aumentar sua capacidade de encontrar empregos, isto é, sua empregabilidade, visto que, hoje, não há mais postos fixos e definitivos no mercado de trabalho.
Na linha desse discurso, o desemprego não parece ter nenhuma relação com as políticas públicas desenvolvidas. Ao contrário, o governo com as privatizações e abertura econômica têm aumentado a entrada de recursos externos no país que a médio prazo significarão um montante maior de investimentos na produção e, conseqüentemente, um maior número de empregos. O governo tem também priorizado, por meio de reformas e investimentos, a educação. A melhoria da qualidade da educação é fator preponderante na solução do desemprego visto que ele tem como causa principal a formação profissional precária do trabalhador brasileiro.
Ademais, conforme Dejours, nos mais diversos países difunde-se a idéia de que vivemos em plena guerra econômica. Uma guerra por mercados, onde, a principal arma é a competitividade. Uma guerra que justifica a utilização no mundo do trabalho de métodos que ampliam a exclusão.

...Métodos cruéis contra nossos concidadãos, a fim de excluir os que não estão aptos a combater nessa guerra (os velhos que perderam a agilidade, os jovens mal preparados, os vacilantes...): estes são demitidos da empresa, ao passo que dos outros, dos que estão aptos para o combate, exigem-se desempenhos sempre superiores e termos de produtividade, de disponibilidade, de disciplina e de abnegação. Somente sobreviveremos, dizem-nos, se nos superarmos e nos tornarmos ainda mais eficazes que nossos concorrentes.

Nós estamos diante, portanto de um discurso liberal que naturaliza as relações sociais, individualiza as questões sociais e enfatiza a educação como promotora da competitividade. Então nos parece que a principal disputa não é em torno da imposição do modelo econômico neoliberal, ainda que processos como privatizações, reformas do Estado, flexibilização do trabalho, demissões atinjam as pessoas concretamente. A luta principal, “a mãe de todas as guerras”, é para impor um discurso. Um discurso em torno daquilo que concretamente as atinge as pessoas, como a falta de posto no mercado de trabalho. Um discurso que centra no indivíduo a responsabilidade pela sua posição social, empregado ou desempregado, competente ou incompetente.
Enfim um discurso que é eficiente na preservação da atual estrutura econômica na medida em que dificulta a organização conjunta dos trabalhadores. A situação do desemprego, por exemplo, conforme Nunes e Soria, caso ela seja vivenciada como decorrência de modelo econômico excludente, coloca-se a possibilidade de luta pela modificação do modelo. Porém, caso essa situação seja compreendida como resultado de uma falha do indivíduo, coloca-se um entrava à ação coletiva.
Ressalta-se que é um discurso contraditório, pois, propõe uma educação que forme trabalhadores criativos, críticos, participativos e ao mesmo tempo, adaptados, dóceis e submissos à lógica da empresa.
Talvez seja esse caráter contraditório, o espaço de luta, no qual, os movimentos sociais devam buscar meios para que as reformas tenham um caráter mais avançado do que o atual. Não podemos nos esquecer de que as reformas em curso estão fundamentadas em princípios pedagógicos, como interdisciplinaridade, contextualização, utilização de múltiplas tecnologias, trabalho com projetos que estão presentes em diversas propostas e experiências de cunho progressista.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Delacroix

ROTEIRO PARA ANÁLISE DO FILME “VIDA DE INSETO”

1. Organização e funcionamento da sociedade
• De repente cai uma folha na trilha de algumas formigas: pânico entre elas. Uma grita “me perdi, vou ficar aqui para sempre”. Qual o motivo do pânico? Por que elas não contornam a folha? As formigas desenvolvem suas tarefas de acordo com normas, regras e valores. Exemplifique com outros momentos do filme tal situação. Quem faz as normas, regras e valores? Flink não se adapta aos valores preestabelecidos. Como ele é visto pelas demais formigas? Por que isso acontece?
• Em nossa sociedade como nós nos organizamos? Nós nos comportamos de acordo com os padrões preestabelecidos ou de acordo com nossas motivações internas? O que acontece se não nos comportarmos de acordo com as regras? Como você se sente vivendo em sociedade: livre ou prisioneiro? Vivemos uma democracia ou não? O que é democracia para você?
• Flink vive numa sociedade organizada para produzir os bens necessários para a sobrevivência das formigas, essa é a própria razão da existência do formigueiro. como as formigas organizam-se para lutar pela sobrevivência? Nesse processo de organização do formigueiro, qual é o papel do conhecimento e como são vistas as mudanças tecnológicas?
• Nós seres humanas vivemos em sociedade com qual objetivo? É possível a sobrevivência do ser humano como espécie sem sociedade? Na nossa sociedade, como é organizado o trabalho? O que você, como estudante produz? Como são produzidos os bens que você usa? Qual o papel do conhecimento e como são vistas as mudanças tecnológicas? Os conhecimentos das ciências da natureza contribuem para o trabalho ao se concretizarem em máquinas e artefatos. Como as ciências sociais contribuem para o processo de trabalho? De que forma? O que diferencia a atividade desenvolvida pelos homens tendo em vista a sobrevivência daquela desenvolvida pelos animais?

2. Organização política da sociedade capitalista
• Hooper, o líder da gang de gafanhotos, ao invadir o formigueiro lembra para todos como funciona o “esquema” que lhe permite ter o poder sobre as formigas. Na nossa sociedade, qual é o esquema que permite que em todos os grupos sociais a minoria tenha poder sobre a maioria? Hooper explicava seu poder como sendo natural. Como nos diversos grupos sociais aqueles que dominam explicam seu poder? O esquema de Hooper possibilitava que ele e sua gang vivessem do trabalho das formigas. Na sociedade brasileira, 10% da população consomem 50% da renda nacional, dito de outra forma, 90% de nós brasileiros sobrevivemos com a outra metade do bolo. Qual é o esquema de poder que sustenta tão injusta distribuição dos resultados do trabalho? Quem são as formigas e que são os gafanhotos no Brasil?
• O irmão de Hooper propõe que eles não voltem mais ao formigueiro, tendo em vista que a gang tem comida suficiente para passar o inferno. Hooper decide que a gang voltará.Quais foram os seus argumentos? Flink enfrenta Hooper e incentiva as formigas a fazerem o mesmo. Quais foram os seus argumentos? Qual a relação entre consciência e libertação? Opressão e alienação? Você é alienado? No meio da revolução das formigas contra seus opressores, a princesa Aba diz para Hooper: “as formigas trabalham, as formigas comem e os gafanhotos voam”. A princesa então definiu outro esquema de poder? O que permitiu que tal revolução fosse feita? No que o exercício de poder está baseado a força? No que está baseado na argumentação e no convencimento? Qual a relação entre poder e saber?
• No Brasil, milhões de pessoas trabalham como formigas, de sol a sol, e não usufruem das riquezas provenientes do trabalho. Quais as possibilidades de mudança no esquema de poder no Brasil? Flink fez algo para mudar o esquema de poder. E você o que tem o que? Você já participou de alguma mudança de esquema de poder? Uma das formas de mudar o esquema de poder é estudar e conhecer a realidade. Nesse sentido a escola é um lugar privilegiado. Como você tem aproveitado seus momentos de estudo sobre a realidade social? Quais as habilidades e competências que você tem desenvolvido que contribuem para você mudar a realidade? Quais as dificuldades que você enfrentou nesse processo de aprendizagem?

sábado, 14 de novembro de 2009

Tarsila

Desterrado - Frei Beto

No oitavo andar, mesmo descalço, estou distante da superfície. Há uma montanha de cimento e ferro entre meu corpo e a terra que produz alimentos e flores, abre-se em rios e mares, acolhe pedras e absorve chuvas.
Desço e, a caminho do trabalho, sou transportado por um veículo que me mantém a certa distância do dorso do Planeta. Trafego por avenidas que já forma rios e ruas que vedam as costas de nossa morada cósmica com uma densa camada de asfalto.
Subo no elevador, essa caixa metálica que nos distribui por salas e escritórios, marionetes agitadas de um gigante invisível que ri de nossa sofreguidão. À hora do almoço, piso calçadas espessas com meus pés cobertos por grossas solas de material sintético.
Nunca deixo meu corpo em contanto direto com a mãe Gaia. Meu computador tem um fio-terra, mas eu não. Guardo em mim toda energia acumulada, excessiva, que dilata gorduras que entopem artérias, faz desabrochar úlceras, prepara o coração para o infarto e aquece a tensão quem me torna irritadiço e estressado.
Não tenho nenhum canal aberto por onde a energia acumulada possa fluir e descarregar. Não piso a relva para não sujar os pés; temo me arranhar na aridez das pedras; e quase nunca mergulho no mar, cuja salinidade opera o descarrego do corpo.
Ser aéreo, trafego sem contato direto com o Planeta que é minha terra mátria. Dele sugo a vida e minha própria história biológica e psíquica. Nosso percurso rumo à vida teve início, juntos, há 3,5 bilhões de anos, quando começou a resfriar o calor que revestia este fragmento de Sol.
Carregado pela fita isolante que me envolve, não piso na Terra e, por isso, piso em meus semelhantes. Impaciente, reajo bravo a todo contratempo e trago a intolerância como escudo. Sou um filho de Gaia que cortou o cordão umbilical, como se eu pudesse dispensar o leite materno.
Já não intercambiamos energias. Meus pés, guarnecidos por meias e sapatos, servem apenas para movimentar as pernas. Assim, isolo meu corpo e isolo o corpo do Planeta, escondendo-o sob pedras, areia, asfalto e prédios.
Enterro a Terra. Sem me dar conta de que, de fato, construo minha própria tumba, tão lacrada quanto a dos faraós. A diferença é que eles as ocuparam quando mortos. Eu ocupo um espaço muito mais amplo do que as pirâmides. Vivo no imenso sarcófago da megalópole, cujos shopping-centers são pirâmides estilizadas. Ouço cada vez mais o sussuro dos mortos, e menos o hálito saudável de Gaia.
Sou um desterrado. E ainda insistem em me convencer de que isso é progresso.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

WODICZKO

ANÁLISE DO FILME “SHOW DE TRUMAN”

Discutir em duplas ou trios as questões levantadas abaixo e apresentar um relatório ao final:

1. O artificialismo da sociedade moderna
• As relações sociais e afetivas de Truman eram todas falsas. Sua mãe, seu pai, sua esposa, seu amigo eram falsos. Na sua vida e nas suas relações sociais e afetivas como é possível saber o que é real do que é falso, o que é consistente do que é inconsistente, o que é duradouro do que é temporário? Que critério você utiliza?
• A cidade de Truman parecia realmente uma cidade cenográfica, havia um artificialismo muito grande em tudo. Como você poderia identificar o artificial em nossa sociedade?
• No começo do filme a mulher de Truman diz: “para mim a minha vida particular e a pública são iguais.” Reflita sobre as conseqüências desse tipo de pensamento, ou seja, de confundir e misturar o público e o privado. Pense isso em termos sociais e políticos.

2. A sociedade “tevecêntrica”
• No filme, observamos que os telespectadores passavam o dia inteiro assistindo televisão. Na sociedade moderna a TV também ocupa um lugar de destaque. Antigamente as famílias se reuniam à noite para contar “causos”, os pais contavam sobre os acontecidos, as mães relatavam as travessuras dos filhos... Atualmente todos se reúnem diante da TV, na sala, onde é proibido falar, ela é o centro das atenções. Que reflexos podemos detectar desse tipo de comportamento para os grupos sociais, principalmente para a família?
• Em certo momento o diretor diz para Truman: “O mundo real é igual ao mundo que eu criei para você. Tem as mesmas mentiras, as mesmas decepções, mas no meu mundo você não tem nada a perder.” Por que, muitas vezes, nós preferimos a ilusão das telenovelas, dos Big Brothers à realidade que nos cerca?

3. A manipulação dos meios de comunicação de massa sobre a sociedade e sobre o indivíduo
• No filme, pudemos observar a todo momento como o show e a TV eram utilizados para vender produtos. O que sustenta um canal de TV é a venda de produto. Em que medida você se sente influenciado pelas propagandas? O que você faz ou não faz para superar essa influência?
• O diretor do Show de Truman agia como um deus, manipulando Truman e o público. Os donos dos meios de comunicação de massa em nossa sociedade agem da mesma maneira. Cite algumas medidas legais que poderiam ser tomadas para que o poder da imprensa não fosse tão grande.
• Truman foi preso desde bebê por um programa televisivo, não teve como se defender. No entanto, através de um esforço imenso, principalmente observando e refletindo sobre a sua realidade, ele conseguiu se libertar do mundo em que foi aprisionado. A nossa situação é bem melhor que a de Truman. Que ações ou comportamentos deveríamos ter para que não fiquemos tão presos e influenciados pelos meios de comunicação de massa?

“Bom dia! E caso não os veja novamente... Uma boa tarde e uma boa noite!”

ATIVIDADE 2: Trabalho individual – Show de Truman: parte 2 - A vida real
No final do filme, Truman decide sair do mundo artificial criado para ele e viver uma vida real. Você deverá elaborar uma crônica contando um episódio dessa nova vida. Como Truman irá se relacionar com as pessoas fora do seu show? Lembre-se que ele não construiu nenhuma relação realmente verdadeira em sua vida, tudo era falso: sua família, seu amigo, seu trabalho. Sua crônica deverá contar como serão suas relações sociais e afetivas. Truman aproveitará algum aprendizado social que teve no show ou partirá da estaca zero? Tente, invente, seja criativo.

Neodadaismo

Conceitos básicos para a vida social

Isolamento social
Aristóteles tinha razão ao afirmar: "o homem é por natureza um animal social". A vida em grupo é uma exigência da natureza humana. O homem tem necessidade dos seus semelhantes para sobreviver, para propagar e perpetuar a espécie e para realizar-se plenamente como pessoa.
A sociabilidade, a tendência natural para viver em sociedade, é desenvolvida através do processo de socialização. Este é um processo social global, através do qual o indivíduo se integra no grupo em que nasceu, assimilando o conjunto de hábitos e costumes característicos do grupo. Participando da vida em sociedade, aprendendo suas normas, valores e costumes, o indivíduo está se socializando. Quanto mais adequada a socialização do indivíduo, mais perfeitamente sociável ele se torna.
O isolamento social é a ausência de contatos sociais. Existem mecanismos que reforçam o isolamento social. Entre eles estão as atitudes de ordem social e individual. Entre as de ordem social temos os vários tipos de preconceitos (de cor, de religião, de sexo etc.). Um exemplo histórico bastante conhecido de preconceito é o anti-semitismo, voltado contra os judeus. Foi especialmente violento durante a Idade Média e, de 1933 a 1945, nos países dominados pela ideologia nazista. A África do Sul é outro exemplo de país onde existia uma legislação que afastava do convívio social uma parte da população: era o apartheid, que a minoria branca impunha à maioria negra, relegando seus membros à condição de cidadãos de segunda classe.
Como atitude de ordem individual que reforça o isolamento social podemos citar a timidez. O sociólogo Karl Mannheim considera que a timidez, o preconceito e a desconfiança são capazes de produzir um isolamento parcial semelhante ao ocasionado pelos defeitos físicos.
A história demonstra que o convívio social foi e continua a ser decisivo para o desenvolvimento da humanidade. As descobertas de um membro de um grupo, comunicadas aos outros, tornam-se estímulo e ponto de partida para aperfeiçoamentos e novas descobertas. Transmitidas de geração a geração, elas não se perdem com a morte de seus descobridores. O homem se guia pela inteligência: sobre o alicerce do instinto gregário ele edifica o convívio social, cujas formas se transformam de acordo com as mudanças que ocorrem em cada grupo e de acordo com as condições em que ele vive.

Contatos sociais
Ao dar uma aula, o professor entra em contato com seus alunos; o cliente e o vendedor de uma loja estabelecem contato na hora da venda de uma mercadoria; dois irmãos conversando também estabelecem um contato social.
O contato social é a base da vida social. É o passo inicial para que ocorra qualquer associação humana. Os contatos sociais podem ser:
• Primários: são os contatos pessoais, diretos, faca a face, e que têm uma base emocional, pois as pessoas neles envolvidas compartilham suas experiências individuais. São exemplos característicos de contatos sociais primários os que ocorrem na família entre pais e filhos, entre irmãos, entre marido e mulher, entre amigos. As primeiras experiências dos indivíduos se fazem com base em contatos face a face, como na família, nos grupos de brinquedo, na escola, na igreja etc.
• Secundários: são os contatos impessoais, calculados, formais; são mais um meio para atingir um determinado fim. Por exemplo, o contato do passageiro com o cobrador do ônibus, apenas para pagar a passagem; ou o contato do cliente com o caixa do banco ao descontar um cheque.
É importante destacar que as pessoas que têm uma vida baseada mais em contatos primários desenvolvem uma personalidade diferente daquelas que têm uma vida com predominância de contatos secundários. Um lavrador, por exemplo, apresenta uma personalidade bastante diversa da de um executivo.
Com a industrialização e a conseqüente urbanização, diminuíram os grupos de contatos primários, pois a cidade é a área em que há mais grupos nos quais predominam os contatos secundários.
As relações humanas nas grandes cidades são fragmentadas e impessoais devido aos contatos sociais secundários. A proximidade física não quer dizer proximidade afetiva numa metrópole onde a violência é grande. A vida na metrópole facilita os conflitos; um exemplo de individualismo cultivado nas grandes cidades é a briga de vizinhos.
Comunicação
A comunicação é vital para o homem enquanto ser humano social e para o desenvolvimento de qualquer cultura.
O principal meio de comunicação que o homem possui é a linguagem. Através da linguagem ele atribui significados aos sons articulados que emite; isso é possível porque ele é dotado de inteligência. Graças à linguagem, o homem pode transmitir seus pensamentos e sentimentos a seus semelhantes, bem como passar aos descendentes suas experiências e descobertas, fazendo com que o conhecimento por ele adquirido não se perca com a sua morte.
À medida que as sociedades tornaram-se mais complexas, os meios de comunicação foram se aperfeiçoando. Um grande avanço foi o surgimento da escrita, na Mesopotâmia, por volta de 4000 a.C. A invenção da imprensa por Gutenberg, no século XV, foi outro passo importante. No século passado e neste assistimos a invenção do telégrafo, do telefone, do rádio, do cinema, da televisão, do telex e da comunicação por satélite.
Através desses meios de comunicação, os fatos, as idéias, os sentimentos, as atitudes, as opiniões são compartilhadas por um conjunto enorme de indivíduos e atingem um grande número de países. Segundo o especialista em comunicação Marshall Mcluhan, o mundo moderno é uma autêntica "aldeia global", onde os fatos, opiniões e modos de vida são compartilhados pela maioria. Os meios de comunicação de massa moldam as idéias e opiniões de inúmeras pessoas.
Interação social
Quando dá uma aula, o professor está em contato social com seus alunos e estabelece comunicação com eles. Os alunos aprendem coisas; seu comportamento, portanto, sofre uma modificação. Também o comportamento do professor sofre modificações: sua explicação é diferente de uma classe para outra, ele detém-se num ponto mais difícil e pode até mudar de opinião depois de uma discussão em classe. Portanto, o professor influencia os alunos e também sofre influência deles. Dizemos então que existe entre eles uma interação social.
O aspecto mais importante da interação social é que ela provoca uma modificação de comportamento nos indivíduos envolvidos, como resultado do contato e da comunicação que se estabelece entre eles. Desse modo, fica claro que o simples contato físico não é suficiente para que haja uma interação social. Por exemplo, se alguém se senta ao lado de outra pessoa num ônibus, mas ambos não conversam, não está havendo interação social.
Os contatos sociais e a interação social constituem, portanto, condições indispensáveis à associação humana. Os indivíduos se socializam através dos contatos e da interação social.
A interação social pode ocorrer entre uma pessoa e outra, entre uma pessoa e um grupo ou entre um grupo e outro:
pessoa  pessoa
pessoa  grupo
grupo  grupo

A interação assume formas diferentes. A forma que a interação social assume chama-se relação social. Um professor dando aula tem um tipo de relação social com seus alunos - a relação pedagógica. Da mesma forma, uma pessoa comprando e outra vendendo estabelecem uma relação econômica. Além dessas, as relações sociais podem ser políticas, religiosas, culturais, familiares etc.
A forma mais típica de interação social, como vimos, é aquela em que há uma influência recíproca entre os participantes. Mas alguns autores falam em interação social quando apenas um dos elementos influencia o outro. Isso acontece quando um dos pólos da interação está representados por um meio de comunicação apenas físico, como a televisão, o livro, uma gravação. Assim é que, quando um indivíduo assiste a um programa de televisão, ele pode ser influenciado pelo programa, mas não o influencia. Ocorre, nesse caso, uma interação não-recíproca. Neste tipo de interação, apenas um dos lados influencia o outro.

Assimilação
A assimilação é a solução definitiva e tranqüila do conflito social. Pela assimilação se suspendem os conflitos. Trata-se de um processo de ajustamento pelo qual os indivíduos ou grupos diferentes tornam-se mais semelhantes. Difere da acomodação porque implica em modificações internas no indivíduo ou no grupo, sendo geralmente inconsciente e involuntária. As modificações internas envolvem, pois, mudanças na maneira de pensar, sentir e agir.
A assimilação processa-se por um mecanismo de imitação, exigindo um certo tempo para se realizar. É um processo longo e complexo.
O exemplo típico de assimilação é o do imigrante. Ele, que a princípio, se acomodou num novo país, vai sem perceber, se deixando envolver pelos costumes, símbolos, tradições e língua da nova pátria.
No Brasil, tivemos os casos da assimilação dos alemães em Santa Catarina e dos japoneses em São Paulo, entre outros. No início, esses imigrantes falavam línguas bastante diferentes da nossa, além de trazerem valores e costumes diversos. Enquanto esses elementos se mantiveram enraizados no espírito e nos hábitos dos imigrantes, cada grupo chegou a constituir um corpo estranho na sociedade brasileira. Viviam fisicamente próximos dos brasileiros, mas culturalmente ainda estavam longe. Somente quando as características marcantes de suas culturas de origem se atenuaram ou se desfizeram - sendo substituídas pelos hábitos e costumes brasileiros - é que os imigrantes puderam ser assimilados (e de fato o foram). Eles se desfizeram de sua primeira identificação cultural e passaram a se identificar com a nova cultura, tornando-se parte integrante da sociedade adotada.
Outro exemplo de assimilação é a conversão. O indivíduo convertido religiosamente, politicamente ou filosoficamente, abandona suas antigas atitudes, convicções e sentimentos, adotando os novos. Enquanto a revolução é um fenômeno social puramente exterior, a conversão é um fenômeno nitidamente interior.
Concluindo, o aspecto importante da assimilação é que ela implica uma modificação sensível da personalidade. O processo de assimilação atinge áreas profundas e extensas da personalidade, envolvendo valores e atitudes fundamentais. As modificações que ocorre dizem respeito à maneira de pensar, sentir e agir.

Acomodação
Quando, num conflito, um dos adversários derrota o outro, o derrotado, para não correr o risco de ser totalmente liquidado, aceita as condições impostas pelo vencedor. Ocorre uma acomodação, pois o vencido aceita as condições impostas, ficando numa situação de subordinação. A escravização dos vencidos, comum na Antigüidade, é um caso típico de acomodação.
Quando alguém cumpre uma lei ou segue um costume com os quais não concorda, só para evitar sanções, também se enquadra num caso de acomodação. Por exemplo, um estrangeiro que não aprecia o modo de vida do país em que mora acomoda-se a ele apenas para ficar bem com aqueles que o recebem. Normalmente, os imigrantes recém-chegados entram num processo de acomodação: deixam de lado sua língua e seus costumes, adaptam-se à nova vida. Tudo para se prevenir do pior: o conflito.
A acomodação é o processo social em que o indivíduo ou o grupo se ajustam a uma situação de conflito, sem que tenham sofrido transformações internas. É a solução superficial do conflito, porque este continua latente, isto é, pode ocorrer novamente. Isto ocorre porque na acomodação não há mudança de pensamentos, sentimentos e atitudes; as mudanças de comportamento são apenas exteriores.
Podemos dizer, portanto, que acomodação é o ajustamento de indivíduo ou de grupos apenas nos aspectos externos do comportamento. Ela provoca a diminuição do conflito. Este só desaparece com a assimilação.

Cooperação
A cooperação é a forma de interação social na qual diferentes pessoas, grupos ou comunidades trabalham juntos para um mesmo fim. São exemplos de cooperação: a reunião de vizinhos para limpar a rua; um grupo de pessoas que se organiza para fazer uma festa; um mutirão de moradores para construir um conjunto habitacional.
A cooperação pode ser:
• direta: compreende as atividades que as pessoas realizam juntas, como, por exemplo, o conserto da cerca de uma fazenda;
• indireta: é aquela em que as pessoas, mesmo realizando trabalhos diferentes, necessitam indiretamente uma das outra, por não serem auto-suficientes. Tomemos o exemplo de um médico e de um lavrador: o médico não pode viver sem o alimento produzido pelo lavrador, e este necessita do médico quando fica doente.

Competição
O comerciante que procura conquistar os fregueses de outro comerciante e os estudantes que lutam por uma vaga no vestibular estão todos envolvidos numa competição.
Há sociedades que estimulam mais a competição que outras. Entre as tribos indígenas, geralmente não há um "espírito competitivo" tão acentuado com em nossa sociedade. As sociedades modernas - principalmente nos países capitalistas - estimulam os indivíduos a competirem em todas as suas atividades - na escola, no trabalho e até no lazer.
A competição é uma força que leva os indivíduos a agirem uns contra os outros, em busca de um melhor "lugar ao sol". A competição nasce da vontade de ocupar uma posição social mais elevada, de ter uma importância maior no grupo social, de conseguir riqueza ou poder etc.
Como nem todos podem "subir", e alguns não conseguem atingir seus objetivos, pode ocorrer o sentimento de inferioridade. Esse sentimento pode levar o indivíduo a reagir, a tentar se superar, como pode levá-lo a uma depressão e a um desânimo ainda maiores.

Conflito
Quando a competição assume características de elevada tensão social sobrevem o conflito. Freqüentemente vemos no noticiário dos jornais e da televisão relato de conflitos em diversas partes do mundo: combates na Colômbia entre o governo e as FARCs, motins e fugas em presídios, invasões de terras, guerras, atentados terroristas etc.
O conflito social é um processo pelo qual o homem provoca mudanças sociais. Tomemos como exemplo os negros norte-americanos. Depois de violentos choques com a polícia na década de 1960, eles conseguiram ver reconhecida uma série de direitos civis.
O conflito pode tomar forma de rivalidade, discussão, disputa, litígio e guerra. O conflito é bem evidente na luta entre partidos políticos, entre seitas religiosas e entre nações.
O conflito pode implicar violência ou ameaça de violência. Pessoas em conflito umas com as outras estão conscientes de suas divergências, havendo entre elas sentimentos adversos, como antipatia, rivalidade, ódio e crítica fortemente carregada de emoção. Os oponentes tendem, em geral, a não considerar as qualidades uns dos outros e a exagerar os defeitos, emitindo juízos pessoais e subjetivos.
No conflito, o primeiro impulso é tentar agredir ou destruir o adversário. Enquanto a competição é contínua, o conflito não pode durar permanentemente com o mesmo nível de tensão.


AVALIAÇÃO: CONCEITOS BÁSICOS PARA A COMPREENSÃO DA VIDA SOCIAL (duplas ou trios)

 Utilizando os Conceitos Básicos para a Compreensão da Vida Social faça um comentário escrito relacionando estes conceitos com o texto abaixo( 20 a 30 linhas):

“A greve de qualquer categoria profissional é uma situação de conflito entre patrões e empregados. Uma sociedade estável, organizada e democrática controla o conflito. Limita-o com regras. As negociações coletivas entre os trabalhadores e a indústria são exemplos de conflitos limitados. Uma grande parte do conflito é canalizada pelos tribunais. Encerrado o conflito, novas relações podem surgir.” (Boudon, R. & Bourricaud, F. Dicionário Crítico de Sociologia. 1993.)

 Relacione com este texto o máximo de conceitos básicos que conseguir, tais como, conflito, acomodação, competição, cooperação, assimilação, comunicação, isolamento, interação social, etc. Não se esqueça de relacionar e comentar.

* Não esqueça o cabeçalho completo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Futurismo

OS ROBOCOPS TOMARÃO NOSSO PLANETA?

A discussão que hoje se trava com mais intensidade entre os pensadores, filósofos, intelectuais deste mundo tecnocêntrico é a comparação entre o homem e a máquina. Nos Estados Unidos, há um centro de pesquisas com um grupo de pensadores preocupados com a questão da inteligência artificial. Eles acham que a máquina já superou o homem em muitas de suas atividades e pode tornar-se mais perfeita do que ele em praticamente todas. Partem do princípio de que o modo de pensar humano é baseado numa lógica identificável e que a partir de seu conhecimento, os robôs poderão apropriar-se deste procedimento e assim ultrapassar com vantagem o homem, na medida em que não terão seus aspectos negativos: perversidades, fraquezas, formas de corrupção, imoralidade, desonestidade, deslealdade entre outras.
Os pesquisadores norte-americanos chamados de “conexionistas” investigam inclusive a ligação possível entre homem e máquina por meio de um sofisticado sistema de neurônios que, de certa forma, imitaria o cérebro humano e permitiria às máquinas, com suas vantagens, pensar como homens. A ficção científica está cheia desses exemplos, que incorporam seres Robocops e todos esses andróides que povoam muitos filmes atuais.
Mas a discussão está marcada por um equívoco fundamental, provocado por um conjunto de informações erradas e também por uma concepção de mundo que não corresponde à realidade dos fatos. Geralmente, reduz-se o pensamento humano àquelas regras lógicas e elementares que os homens usam para raciocínios simples, como as lógicas matemáticas, as lógicas elementares de dedução e indução, entre outras, e parte-se do princípio que dominando essas lógicas chegar-se-ia a um aperfeiçoamento do homem através do seu duplo, a máquina.
O grande equívoco está no fato de que se toma aquilo que é uma invenção humana, fabricada para ser prolongamento do homem, para lhe facilitar as funções, como um equivalente do homem. É natural que em muitas atividades a máquina seja superior ao homem. Mas isto não se refere apenas aos computadores de quinta geração, que hoje dominam o mercado com seus dotes fascinantes. O automóvel, quando foi criado, superava o homem em seu caminhar, assim como o transporte por carruagem, na medida em que era mais rápido, mais confortável, melhor para o homem. E assim é com os demais equipamentos técnicos utilizados para executar trabalhos de forma mais eficaz que os homens. Até aí nada de novo.
Ocorre que o homem não se limita às funções elementares. É também um complexo de indeterminações, e isso o torna fascinante. Pode-se dizer que um computador seja capaz de pintar uma tela, de compor uma música, de fazer um poema, de escrever um livro. Isso nunca deixará, entretanto, de ser obra de computador. Será o resultado de um conjunto de informações dadas por homens, sobre as quais ele vai trabalhar e até criar. Mas é uma criação que parte de uma esterilidade técnica.
O homem, ao contrário, é total imprevisibilidade. Ele é racionalidade misturada com irracionalidade, sanidade com loucura, positividade com negatividade. Em suma, ao mesmo tempo que pode ser uma criatura racional, coerente, lógica, eficiente, também pode ser um sujeito carregado de dores, sofrimentos, ilusões, tristezas, angústias, melancolias.
Tudo isso faz parte de um espaço de liberdade que o homem tem exatamente por ser criador. A máquina também cria, de certa maneira. Ela caria a partir daqueles processos lógicos e matemáticos citados, a partir de dados que lhe são fornecidos. Ela desdobra esses dados e cria infinitamente novas possibilidades a partir deles, além de poder corrigir suas falhas e superá-las na medida em que aparecem num processo de permanente auto-reprogramação.
Mas o que distingue exatamente um ser vivo de um robô é aquilo que em todas as formas de cultura caracterizou uma intervenção humana num sentido absolutamente original. Uma máquina pode imitá-lo em todas as funções, mas lhe falta capacidade de converter-se em ser humano. Todas as imitações serão sempre formas derivadas de uma matriz que está fora da máquina. Só o homem é capaz de fantasiar, imaginar, produzir a partir do nada e também a partir de uma quantidade infinita de informações.
O homem, que criou a máquina e que a vê progredindo cada vez mais, desenvolvendo-se, superando suas próprias expectativas, há de constatar, em qualquer época, que ela não será um novo escravo. Não se repetirá, como na passagem de teocentrismo para o antropocentrismo, uma revolta da criatura contra seu criador, exatamente porque tanto a divindade quanto esse conjunto de sistemas técnicos e informáticos que temos aqui são, apesar da contestação da religião, obras do homem.

CIRO MARCONDES FILHO

sábado, 31 de outubro de 2009